São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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Pressão dos EUA pode levar Suíça a abrir contas nazistas

Suíços estudam quebra da tradição do sigilo bancário

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DE PARIS

A Suíça está se preparando para acabar com uma de suas tradições: o sigilo bancário.
Pressionada pelos EUA, a Suíça decidiu quebrar o segredo das contas bancárias de judeus e nazistas entre 1934 e 1945. Especula-se que US$ 6 bilhões do "ouro nazista" repouse nos cofres dos bancos suíços -de dinheiro dos bancos de países ocupados a dentes de ouro extraídos de judeus.
A decisão abre um precedente perigoso para o sistema bancário na Suíça, onde dormem US$ 6 trilhões em contas de estrangeiros.
Leia a seguir entrevista à Folha, por telefone, do deputado suíço Jean Ziegler, 59, especialista no sistema bancário do seu país.
*
Folha - Por que o governo suíço decidiu romper o sigilo bancário?
Jean Ziegler - A pressão dos EUA é tão forte que não havia alternativa. Mas os bancos vão fazer tudo para não liberar os papéis.
Folha - De que forma os EUA exerceram pressão?
Ziegler - Os EUA ameaçaram suspender as importações suíças. No Congresso, o caso está em uma comissão presidida pelo senador D'Amato, que é ligado ao CJM (Congresso Judaico Mundial). Os EUA estão em campanha eleitoral e o presidente Clinton precisa do voto dos judeus para a reeleição.
Folha - Mas por que a pressão demorou 50 anos para ser feita?
Ziegler - Desde o fim do comunismo na Europa, todas as semanas judeus do Leste Europeu vêm reclamar o dinheiro de contas antigas. O governo suíço recusou devoluções, argumentando que são necessárias informações precisas, como o número da conta -informações perdidas na guerra.
Esses judeus procuraram o CJM, que tem ligações políticas fortes.
Folha - Nada foi feito para devolver o ouro nesses 50 anos. Não parece que os aliados tivessem interesse na devolução...
Ziegler - Eles também estão em uma situação duvidosa. A Suíça passou parte do dinheiro para os aliados como reparação de guerra.
Folha - A decisão de suprimir o sigilo das contas não coloca em risco o sistema bancário suíço?
Ziegler - A Suíça é o segundo país mais rico do mundo, mas não tem nenhuma matéria-prima. Sua única riqueza é o dinheiro de ditadores, da evasão fiscal, do tráfico de drogas. Isso só funciona com o segredo bancário.
Folha - O sr. acha então que os bancos não devolverão o dinheiro?
Ziegler - Os bancos vão esperar novembro (mês da eleição norte-americana) passar. Eles podem dizer que não acharam o dinheiro. Mas não existe dinheiro perdido na contabilidade suíça.
Folha - O ouro nazista é um dos problemas da Suíça. O país enfrenta desemprego ascendente e recessão. As diferenças entre as comunidades linguísticas estão aumentando. O país vive uma crise?
Ziegler - Sim, e muito profunda. Numa Europa onde o nacionalismo volta a crescer, um Estado fundado na multiplicidade só funciona quando há pressão externa, como o nazismo ou o comunismo.
A maioria dos suíços é da parte alemã, que é protestante. Para eles a Europa é o diabo. É católica e dominada pela Alemanha. Eles temem perder sua identidade. Além do mais, a indústria suíça não é competitiva.

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