São Paulo, segunda-feira, 30 de setembro de 1996
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Presidente do TSE vê risco calculado no voto eletrônico

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O homem que vai comandar a primeira eleição informatizada no país preferia introduzir a inovação a partir de 1998 e diz ter prosseguido esse projeto para evitar "uma frustração maior da sociedade".
Em entrevista à Folha, o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Marco Aurélio de Mello, 50, fala sobre o risco de transtornos diante da informatização. "A responsabilidade é grande, mas o risco é calculado."
Para ele, os que vão estrear o voto nessas urnas deverão levar um papel com o número do candidato para não correr o risco de errar, anulando o voto.
O ministro responsabiliza eleitores que não votam conscientemente pela transformação de candidatos em produtos de marketing. E também afirma que a Justiça Eleitoral não dispõe de mecanismos para controlar efetivamente os gastos de campanhas. "Não posso ser ingênuo. Tenho que reconhecer que há uma verdadeira distorção no campo das doações."
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Folha - Pela primeira vez, um terço do eleitorado do país vai votar em urna eletrônica. O sr. já afirmou que este não seria o momento ideal para introduzir a inovação. O sistema informatizado de votação terá êxito?
Marco Aurélio de Mello - O processo estava desencadeado quando assumi o cargo (em junho). Não houve possibilidade de recuo, porque teríamos uma frustração maior da sociedade.
A Justiça Eleitoral está fazendo o melhor para o êxito do sistema no dia 3. A responsabilidade é grande, mas o risco é calculado.
Folha - Nos últimos dias, o TSE capturou uma conversa entre "hackers" (piratas de computador) na Internet sobre a possibilidade de entrada nos sistemas de votação e apuração das eleições. O TSE pode ser surpreendido na última hora por uma estratégia de fraude?
Mello - Não vejo essa possibilidade. Estamos fazendo rastreamento com a Polícia Federal (para descobrir a origem das mensagens). É difícil chegar aos "hackers", mas não há possibilidade direta de interferência dos piratas porque as máquinas não estarão em rede.
Folha - As investigações continuam após 3 de outubro?
Mello - Vão continuar, principalmente se tivermos sinais da interferência ou novas mensagens até mesmo a título de galhofa.
Folha - A urna eletrônica pode aumentar o número de votos nulos e brancos por dificuldade de uso da máquina de votar?
Mello - Não. Teremos a continuidade da média de votos em branco e um número menor de votos nulos. O eleitor não vai ter como veicular o protesto expresso. Quando vota em cédula, pode escrever desaforos ou mesmo votar em personagens como o Cacareco.
Folha - O mesário pode orientar o eleitor na hora do voto?
Mello - Não, em absoluto. O papel do mesário é receber o título e digitar o número do documento no terminal que estará junto a ele.
Folha - Que apelos o sr. faria ao eleitor que vai votar em urna eletrônica?
Mello - Ele deve levar o número de seu candidato escrito em papel, uma espécie de 'cola'. O meu segundo apelo é não adotar a mania nacional de deixar tudo para a última hora. A lei não prevê limite de tempo para o voto. O eleitor vai dispor do tempo de que precisar.
Folha - Na simulação feita pelo Datafolha, grande parte dos eleitores com intenção de voto firmada não soube votar na urna eletrônica (47%). Entre esses eleitores, a grande maioria digitou errado o número de seu candidato a prefeito. Os partidos políticos falharam nessa divulgação?
Mello - De certa forma, os partidos não acordaram antes para a necessidade de orientação dos eleitores. Nos últimos dias, alertamos os partidos sobre isso, por intermédio da imprensa.
Folha - Em alguns Estados, como São Paulo, os testes nas urnas eletrônicas indicaram falhas de funcionamento em 4% dos equipamentos. A expectativa da Unisys (fabricante das urnas) é que o índice fique abaixo de 1% na hora da votação. Vai ser possível manter esse limite?
Mello - A falha é bem menor que 4%. O que houve nas máquinas foi descuido no transporte, no controle de qualidade.
Desde então passamos a ter percentuais de defeitos muito menores. A fabricante ficou bem mais esperta, inclusive porque está comprometida. É nossa parceira, tem um nome a zelar.
Folha - Qual é a vida útil da máquina de votar?
Mello - De oito a dez anos. É um computador (386) que tem uma missão limitada. Em 98, teremos eleições gerais. Aí surge um elemento complicador.
Em vez de o eleitor votar em dois candidatos, votará em cinco: presidente da República, governador, senadores e deputados federal e estadual. O problema será a longa permanência na cabine.
Folha - Mesmo nas capitais, temos ilhas de pescadores onde não há sequer eletricidade. Em 98, 70% da votação deverá ser eletrônica. Como a Justiça vai levar a informatização a locais distantes?
Mello - A complicação decorre do fato de termos eleitores de baixa escolaridade. Mas a máquina é muito simples. Ela repete o teclado do orelhão. É mais difícil para o eleitor escrever o número em um papel ou apertar os botões do teclado? Penso que é a primeira alternativa.
Folha - Quanto o TSE gastou com a informatização das eleições em 57 cidades e em outras despesas?
Mello - A informatização do voto custou R$ 78,3 milhões (sendo R$ 6 milhões com a campanha publicitária). Outros R$ 150,2 milhões foram gastos com o restante da eleição. A despesa com as máquinas é investimento também para as eleições posteriores.
Folha - Com exceção de Alagoas, o TSE baseou-se em garantias de segurança dadas pelos governadores para negar o envio de tropas federais. O que mais pesou na recusa de envio de força federal?
Mello - Outro dado que preocupa muito é revelarmos à comunidade internacional que somente é possível realizarem-se eleições no Brasil com o Exército na rua. Isso denigre a imagem do Brasil como Estado de Direito.
Folha - A Justiça Eleitoral tem como controlar efetivamente os gastos dos partidos e candidatos nestas eleições?
Mello - A lei nº 9.100 prevê que os partidos políticos e os candidatos a prefeito e a vereador dos municípios com mais de 50 mil eleitores devem, necessariamente, abrir contas específicas.
Isso, sem dúvida alguma, objetiva um maior controle, mas não afasta a possibilidade de haver 'caixa dois'.
Folha - As pesquisas estão revelando o fortalecimento de candidatos apoiados pelos atuais prefeitos. A que o sr. atribui esse fenômeno? Está ocorrendo uso da máquina ou reconhecimento de boas administrações por parte do eleitorado?
Mello - A Carta de 88 beneficiou os municípios em detrimento dos Estados. A distribuição dos tributos se mostrou prejudicial aos Estados. A quase totalidade deles está falida, enquanto os grandes e médios municípios estão muito bem. Dois exemplos são o Rio de Janeiro e São Paulo.
Folha - O sr. descarta o uso da máquina nesses dois casos?
Mello - Se tivermos o comprometimento da máquina, os candidatos opositores e o Ministério Público poderão formalizar representação para que se apure se houve uso abusivo da máquina.
Folha - Nesta eleição, também se pôde observar a supervalorização do marketing. O eleitor está perdendo com isso?
Mello - O eleitor talvez seja culpado por esse quadro, porque às vezes não procede a escolha de forma conscientizada ou, quando o faz, deixa de acompanhar nos anos seguintes a vida do eleito.
Folha - O que o sr. acha da emenda que prevê a reeleição? Se favorável, o sr. defende que valha para o atual presidente da República ou apenas para o seu sucessor?
Mello - Não há óbice (obstáculo) constitucional a que se introduza a reeleição no cenário jurídico nem para que seja válida para o atual presidente. O que não pode haver, para viabilizar a aprovação de uma emenda prevendo a reeleição, é o uso da máquina.
Na minha visão liberal, pronuncio-me favoravelmente à realização do plebiscito, no qual se fariam três indagações: a favor ou contra a reeleição, se válida para o atual presidente e se extensiva a governadores e prefeitos.

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