São Paulo, quinta-feira, 9 de janeiro de 1997
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Pequena reflexão sobre os fatos que marcaram 1996

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Será que 1996 foi um longo ano para você? Pra mim foi, garanto.
Foi um ano tão repleto de notícias estranhas e ruins que se arrastou infinitamente. Parecia que não iria terminar nunca.
Vamos fazer uma pequena retrospectiva e refletir sobre os fatos que marcaram o ano passado:
* Dando continuidade a seu corajoso esforço para reduzir os impostos pesados cobrados aos cidadãos brasileiros comumente submetidos a restrições de ordem financeira, o Congresso, em Brasília, resolveu continuar trabalhando durante seu recreio vespertino, normalmente dedicado à prática do tênis.
* O pessoal que administra nossas rodovias federais -o DNER- anunciou que o limite de velocidade será aumentado em estradas que passam por áreas extremamente monótonas ou feias. "Em Cubatão, por exemplo", disse o DNER, "o novo limite de velocidade será de 300 km/h".
* Em São Paulo, foram dados os primeiros passos para a construção do museu Paulo Maluf de Cera de Ouvido, que custará R$ 51,5 milhões. O museu vai conter a inestimável coleção do ex-prefeito, que ele escavou num esforço para melhor ouvir as intermináveis súplicas populares para que se candidate à Presidência da República.
* No Maranhão, o senador José Sarney prometeu apoio político total ao movimento em prol da reeleição de FHC, "com total objetividade", acrescentando: "Eu lhe dou minha palavra de honra não apenas na condição de senador e ex-presidente da República mas também de príncipe de Gales".
* Numa iniciativa inteiramente inovadora, o pessoal que regulamenta as viagens aéreas, em Brasília, respondendo ao volume cada vez maior de queixas vindas de viajantes a Orlando, emitiu novas e rígidas normas que obrigam as companhias aéreas brasileiras a avisar os passageiros, "dentro de um prazo razoável", se seu vôo sofreu um acidente.
* Em Hollywood, sérios planos foram traçados para a realização de um filme importante a ser baseado na história de Jô Soares.
Com custo de produção previsto em R$ 2 bilhões, o épico será dirigido por Fábio Barreto. O elenco milionário (em reais) vai incluir Luiz Carlos Barreto no papel-título e Lucy Barreto no importante papel de sua mãe, enquanto Bruno Barreto fará alguma coisa também. O dinheiro para financiar a superprodução será levantado por um grupo de empresas sediado no Rio. Os primeiros fundos a entrar serão destinados à compra de um Rolls-Royce conversível revestido de ouro, para o uso particular do ator principal.
* Numa sondagem conjunta do Ibope e da revista "Veja", os habitantes do Rio de Janeiro declaram que sua preocupação nº 1 em relação a sua cidade é "a insuficiência de pessoas andando por aí armadas". Num exemplo de reação rápida, os vereadores da cidade aprovaram uma lei pela qual todos os cidadãos que não sejam traficantes de drogas oficialmente licenciados serão OBRIGADOS a portar submetralhadoras Uzi.
* Citando as notáveis qualidades positivas de caráter de um famoso jogador de futebol americano, O.J. Simpson, um confuso júri da Gringolândia, ao final de um julgamento longo e carregado de lances dramáticos, concedeu a guarda de um menino de 3 meses de idade a uma menina de 6 meses.
* O Corinthians, o futebol que é o orgulho e a alegria de uma importante cidade-Estado subtropical, foi suspenso dos campeonatos internacionais quando investigadores, após promoverem testes rotineiros de amostras de urina dos jogadores, descobriram que o principal atacante do time é, na realidade, um cavalo.
Previsões modestas
A previsão é, na melhor das hipóteses, um negócio extremamente imprevisível.
Uma figura exemplar nessa área tão repleta de enigmas foi um certo campeão dos prognósticos, um sujeito de nome William Thompson, Lord Kelvin.
Esse leitor de bolas de cristal foi um célebre físico britânico, inventor e presidente da Royal Society no final do século passado.
Foi um verdadeiro campeão das previsões.
Thompson lançou-se em sua viagem ao futuro quando observou que "máquinas voadoras mais pesadas do que o ar são uma impossibilidade". Essa sua observação foi feita em 1895.
Em 1897, Thompson declarou que "o rádio não tem futuro" e, em 1900, assegurou seus colegas cientistas de que "os raios X não passam de engodo".
Como dizem no beisebol da Gringolândia: "Três erros e você está fora do jogo".
Pode-se afirmar que Thompson não foi nenhum Einstein.
Mas o próprio dr. Albert Einstein tampouco foi um Einstein no quesito previsão do futuro.
Em 1932, o bom doutor colocou seus óculos empoeirados e olhou para o futuro: "...Não existe o menor indicativo de que a energia (nuclear) possa ser obtida algum dia. Para isso, seria preciso poder decompor o átomo".
Provavelmente a maneira mais simples de demonstrar a imprevisibilidade das previsões é simplesmente citar Thomas Watson, o pragmático e pioneiro fundador da IBM, que, em 1943, declarou: "Eu diria que existe um mercado mundial para mais ou menos cinco computadores".
Dar aconselhamento profissional é uma coisa, mas fazer previsões profissionais é inteiramente outra.
"Você não vai a lugar nenhum, meu rapaz. É melhor voltar a ser caminhoneiro", disparou o gerente de um teatro ao despedir Elvis Presley depois de uma única apresentação deste.
"Seria melhor você aprender a ser secretária ou então se casar", foi o conselho que o diretor de uma agência de modelos deu a Marilyn Monroe em 1944.
Em 1931 o presidente da Alemanha, Paul von Hindenburg, disse, referindo-se a Adolf Hitler, que este era um sujeito esquisito que, na melhor das hipóteses, daria um razoável chefe de algum Departamento de Correios.
Os futurólogos do cinema
O show biz possui sua espécie própria e muito especial de futurólogos.
Darryl F. Zanuck errou o alvo apenas ligeiramente quando, em 1946, observou que a televisão não iria durar porque "as pessoas não vão demorar a se cansar de olhar para uma caixa de compensado todas as noites".
Um executivo da MGM não se deu muito melhor. Ele aconselhou Louis B. Mayer a não fazer "...E o Vento Levou". "Esqueça essa idéia, Louie. Até hoje, nenhum filme sobre a Guerra Civil faturou um centavo."
Cuidando de casa
Quando o assunto é o Departamento de Vida Melhor, tio Dave sempre foi um otimista cheio de esperança.
Ainda estou aguardando o fantástico eletrodoméstico previsto por um industrial progressista: "Um aspirador de pó movido a energia nuclear que vai surgir dentro de dez anos".
Já faz quase 50 anos que espero pacientemente pela chegada dessa maravilha.

Tradução Clara Allain

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