São Paulo, sexta-feira, 10 de janeiro de 1997
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'Buffalo' é ruim e obrigatório

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Nas histórias escritas pelo dramaturgo norte-americano David Mamet, como em "American Buffalo", que estréia hoje, as pessoas parecem estar sempre ocupadas, apesar de nunca, realmente, estarem fazendo coisa alguma.
Seus enredos não necessitam de referências culturais, violenta pulsão sexual -tão presente nos dramaturgos Tennessee Williams e Sam Shepard- ou mesmo de uma história. Necessitam, apenas, de uma "situação".
Mamet é o Harold Pinter de Chicago. Seus personagens dão voltas no vazio e não cansam de amaldiçoar o mundo. O círculo que será percorrido em "American Buffalo" é do tamanho de uma moeda.
Donny (Dennis Franz, da série de TV "Nova York Contra o Crime") é o dono de um brechó em um subúrbio de um grande centro urbano americano.
Seu dia começa depois de perder um punhado de dólares nas cartas, ao lado de seu amigo Teach (Dustin Hoffman), vagabundo derrotado que vive esperando por um bom golpe.
O detalhe que Teach desconhece sobre Donny é que este se considera enganado por um cliente, que entrou em sua loja para comprar uma moeda com a clássica figura do búfalo, lhe pagando US$ 90.
A mente de Donny diz que, se alguém pagou tanto dinheiro por uma moeda, é claro que ela deveria valer muito mais. Logo, há um roubo.
Teach, Donny e seu aprendiz Bobby se juntam para recuperar a moeda assaltando a casa do tal comprador. Esse é o acontecimento do dia.
Escrita em meados dos anos 70, "American Buffalo" traz nessa versão para o cinema a direção de Michael Corrente e a presença do próprio Mamet no papel de roteirista.
Seu texto domina o filme. Não há espaço para a condução cinematográfica. As falas e os tempos de Mamet parecem tragar todos os espaços. Nada, apesar da tela, do projetor e das imagens em movimento, é cinema. Nem mesmo teatro. Tudo pertence apenas a David Mamet e os agentes de sua mensagem: os atores.
Hoffman e Franz são exemplares em representar a "ocupação" desses seres criados pelo dramaturgo. Homens que se relacionam de forma violenta, fisicamente violenta, com o mundo, sempre agarrando e quebrando objetos ao redor. A grande metáfora mametiana.
O que sobra então para Corrente? Muito pouco espaço, na verdade. Ele se submete às regras impostas por seu roteirista e todo ar da sala é roubado nesse ato de submissão.
Mamet, que é também um cineasta, autor de "Oleana" e "Homicídio", nos oferece um curioso dilema. É um filme ruim. Mas, pelo talento avassalador de seu autor, é, de algum modo, obrigatório.

Filme: American Buffalo
Produção: EUA, 1996
Direção: Michael Corrente
Com: Dustin Hoffman, Dennis Franz
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco 1

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