São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 1997
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O paradoxo elétrico (1)

CELSO PINTO

O setor elétrico vive um paradoxo. Deverá ser a vedete da privatização neste ano e, se as contas da Secretaria do Planejamento estiverem corretas, poderá render o equivalente a duas Vale do Rio Doce. No entanto, é um setor onde não se definiu sequer qual será seu modelo básico de funcionamento.
A privatização do setor, na verdade, já começou com a venda da Light, da Escelsa e da Cerj. Foram privatizações tocadas pelo BNDES (Light e Escelsa) ou com a ajuda dele (Cerj). Como não havia definições legais sobre questões cruciais, soluções foram improvisadas, e modelos, inventados (como no caso das tarifas).
Várias empresas elétricas importantes estaduais, incluindo as paulistas, e até uma federal (Furnas) poderão ser vendidas neste ano. É muito pouco provável, contudo, que isso ocorra com o quadro regulatório legalmente definido.
Nas disputas internas no governo, o BNDES sempre culpou a falta de firmeza do ministro das Minas e Energia, Raimundo Brito, pela lentidão na definição de regras e pela aceitação de pressões corporativas. Já que o Ministério não fazia as regras, o BNDES decidiu tocar a privatização mesmo sem elas.
Até mesmo o setor de telecomunicações finalmente produziu um projeto de regulamentação e enviou ao Congresso. No caso do setor elétrico, a única coisa que existe é o Aneel, órgão regulatório, aprovado no Congresso, esperando a sanção presidencial. O Aneel, contudo, não responde questões cruciais. Como diz o secretário de Energia do MME, Peter Greiner, "o Aneel aplica a regra, não faz a regra".
Em outros termos, o Aneel será uma espécie de xerife do setor elétrico, assim como o Cade é o xerife da concorrência. Terá um papel muito importante na aplicação das regras, mas nenhum poder para criá-las.
E quem fará as regras? O trabalho mal começou. O que existe, por enquanto, é uma consultoria contratada pelo MME junto a um consórcio liderado pela Coopers & Lybrand. Ele foi iniciado em julho do ano passado e deverá terminar em maio ou junho deste ano.
Teoricamente, do trabalho da Coopers sairão as sugestões para a definição dos marcos regulatórios do setor elétrico do futuro. Como são questões que envolvem conflitos complicados de interesses entre a esfera federal e estadual, lembra Greiner, pode-se esperar uma longa discussão, pressões, mudanças e disputas legislativas. Pela descrição, uma questão que pode durar anos, não meses.
O setor elétrico corre o risco de privatizar suas fatias mais importantes antes do marco regulatório estar definido. Greiner diz que é importante tocar a privatização, mas a sua lista de exemplos de questões que estão em aberto impressiona.
* Modelo: supõe-se que o setor será desmembrado em três fatias (geração, distribuição e transmissão), como São Paulo já definiu. Haveria uma "desverticalização" de empresas que hoje operam nas três esferas. Greiner lembra, contudo, que há resistências em Minas e no Paraná para fatiar suas empresas. E sugere que pode haver uma quarta fatia, a da comercialização, independente das outras três.
* Competição: que grau de liberdade terão os consumidores para comprar energia? Se ela for integral, quais os critérios de remuneração do distribuidor pelo transporte da energia em sua linha?
* Transmissão: precisa ser neutra para garantir a competição na geração e na distribuição. Como? Compartilhando o controle entre geradores e distribuidores, ou tornando sua propriedade independente? Como organizar e garantir um "grid" nacional, incluindo as áreas controladas pelos Estados?
* Tarifa: novos investimentos custam caro. Como financiá-los? Repassar na tarifa? Nesse caso, como separar as tarifas "velhas", mais baratas, das "novas"? Qual o critério para as tarifas, já que a lei é vaga? Como compatibilizar estes critérios com os já adotados nas privatizações ("price cap")?
* Mercado: como será organizado o mercado de energia? Contratos de longo prazo? Mercado "spot"?
Esses são apenas alguns exemplos. Volto ao assunto na coluna de terça.

E-mail CelPinto@uol.com.br

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