São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 1997
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A telha quebrada e o kamikaze

MARIO VITOR SANTOS

Retornar a este espaço e à função de representar os leitores da Folha é responsabilidade e prazer, ainda mais estimulantes porque a volta encerra uma doença desagradavelmente prolongada.
Agradeço ao jornalista Marcelo Leite, que adiou a satisfação de interesses pessoais para preencher minha ausência. Ele soube exercer com notável competência o trabalho de servir aos leitores e zelar pela observância de princípios éticos na esfera do fazer jornalístico.
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A delícia desta função é quando se pode ver o crescimento de uma mentalidade ética de restrição dos prejuízos que possam ser causados pela atividade jornalística. Em muitas ocasiões, a extensão desses danos não é muito clara. Em outras, é evidente.
Um dos primeiros casos que atendi durante esta primeira semana foi o de Célia Ferreira da Costa, sub-síndica de um prédio da Vila Madalena, bairro da zona oeste da capital de São Paulo.
Ela ligou para dizer que um fotógrafo da Folha danificara o telhado de seu prédio. Buscando o melhor ângulo para documentar o reinício das obras do metrô no bairro, o fotógrafo Otavio Dias de Oliveira pedira ao zelador do prédio autorização para subir ao terraço, de onde se pode ter uma boa visão do canteiro de obras em frente.
É dali que os fotógrafos de vários veículos de comunicação costumam fazer seu trabalho quando o assunto é metrô Vila Madalena. Não satisfeito, o fotógrafo da Folha quis uma visão melhor e aventurou-se no telhado, onde acabou quebrando uma telha de amianto.
Diz o repórter-fotográfico, em seu relatório sobre o caso: "Como o zelador do prédio estava me acompanhando, perguntei o que poderia fazer para reparar o dano. No ato, me prontifiquei a pagar pelo estrago. Ele disse que tinha telhas de reserva e sugeriu que eu o ajudasse a fazer a troca. Ajudei-o a pegar, cortar e recolocar a telha nova durante 40 minutos e, ao término, perguntei novamente se não seria necessário ressarcir o dano".
Em telefonema, a leitora e sub-síndica declarou que o serviço não foi satisfatório e pediu que o jornal providenciasse uma telha nova. A Folha foi imediatamente comunicada: "O jornal se dispõe a ressarcir eventuais prejuízos de qualquer forma", respondeu a secretária interina de Redação, Paula Cesarino Costa.
Ainda falta acertar detalhes para encerrar o caso. Dele, o mais importante é mostrar que na Redação da Folha se institucionaliza uma cultura de respeito a limites na atividade jornalística e de reparação dos danos que possa causar.
Várias iniciativas, inclusive os sete anos de existência da função de ombudsman, contribuem para o enraizamento dessa mentalidade.
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Hitomi Tsuyoshi não suportou a espera. Depois de tantos dias sem notícias, resolveu apelar a um gesto desesperado. Com seu tradutor de castelhano na cola levando a câmara, o jornalista deu um jeito de furar o bloqueio policial em torno da embaixada japonesa em Lima, ocupada pelos guerrilheiros do Tupac Amaru.
Cartazinho da TV Asahi como escudo, ele esgueirou-se até conseguir entrar na embaixada para entrevistar os sequestradores com exclusividade, furando 600 jornalistas de plantão em torno do local.
Ao sair, duas horas depois, foi preso pelas autoridades peruanas e teve seu material confiscado. Há quem o acuse de pôr em risco a vida dos reféns, ameaçar as negociações para o fim do sequestro e até subornar vizinhos para se aproximar da embaixada.
E a Folha? Qual a política do jornal para o seu enviado especial a Lima, Igor Gielow, num caso como este? A editora de Exterior, Andréa Fornes, há 11 anos na Folha, explica que, por princípio, o jornal deseja obter a notícia, mas não incentiva comportamentos que possam expor a vida do jornalista ou ameaçar reféns. Quanto ao jornalista japonês, ela acha que não houve risco demasiado. "Deve prevalecer a avaliação do jornalista no momento", acrescenta.
O enviado Igor Gielow, cinco anos no jornal, considera que o jornalista agiu corretamente ao tentar a entrevista. "O risco era limitado. Os guerrilheiros não iam atirar, como não atiraram contra o grupo de 30 jornalistas que os entrevistaram há duas semanas. É uma guerra de comunicação e eles desejam transmitir uma imagem simpática", diz ele. Quem não gostou foi o governo peruano, que está perdendo a batalha na mídia.
Como em quase todas as discussões envolvendo situações-limite da ética jornalística, não existem limites claros e simples. E você, o que acha? Envie suas opiniões para o ombudsman. O assunto será abordado nesta coluna no próximo domingo e também no bate-papo eletrônico com os assinantes do Universo Online na quarta-feira das 18h30 às 19h30.

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