São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 1997
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Ufanismo com estatísticas

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JÚNIOR

Um dos aspectos que diferenciam a economia de outras ciências da sociedade é que a maioria dos seus conceitos pode ser quantificada. Preços e quantidades são medidas básicas, mas alguns conceitos necessitam de métodos de mensuração mais complicados, que estão longe de ser perfeitos.
Mesmo assim, qualquer leitor que acompanha as discussões econômicas sabe que o economista que não conheça os números básicos do campo em que trabalha é um profissional pela metade. O próprio leitor moderno deseja saber números confiáveis sobre a economia.
Por isso se dá valor a números e estatísticas idôneas. E, assim, formam-se as reputações de instituições ou de pesquisadores. Separa-se quem "chuta", quem bajula, de quem projeta estatísticas baseado em conhecimento, vivência e equilíbrio.
Números sólidos ajudam muito a conhecer um problema e saber como melhor atuar sobre ele. Mas é grande a tentação de produzir cifras para agradar governos ou desviar a atenção de questões "inconvenientes". Cito dois exemplos.
Na semana passada, divulgou-se que os "investimentos externos" no Brasil devem ter alcançado US$ 9,5 bilhões em 1996. Teve até editorial saudando a "volta" do país ao mundo.
Mas faltou dizer que esse total não é todo "investimento", no sentido de recursos que vieram para abrir novas fábricas e criar empregos. Boa parte dos recursos entrou no país para promover fusões e compras de empresas já existentes (exemplos: incorporações da Cofap, Metal Leve, Lacta etc.).
Outra parte é registrada como "investimento direto", mas efetivamente não o é. Isto porque o registro feito no BC segue o que é declarado por quem traz o dinheiro. Por fim, parte veio para comprar ações de empresas sendo ou a ser privatizadas.
O investimento estrangeiro direto para a ampliação da capacidade produtiva não chegou à metade dos US$ 9,5 bilhões. Mas a divulgação do número ufanista, sem dúvida, agradou Brasília.
Outro exemplo de número feito para despistar é o cálculo do atraso da taxa de câmbio, tomando agosto de 1994 como base dos cálculos. Como, naquele mês, a taxa de câmbio já havia caído para R$ 0,89 por US$ 1, o problema fica enterrado no passado.
Conclusão, prezado leitor: atenção redobrada a esses números adocicados. VAle lembrar uma máxima de George Bernard Shaw: "Liberdade implica responsabilidade. Por isso tantos a temem". E por isso muitos buscam proteção sob o guarda-chuva do governo.
Michal Bruno
O burburinho do final do ano fez passar quase desapercebida a morte de Michal Bruno, ex-diretor de pesquisas do Banco Mundial e um dos "pais" do programa de combate à inflação de Israel, que, depois, inspirou o Austral, o Cruzado e o Real. Foi um economista competente, eclético e altamente respeitado.

Álvaro Antônio Zini Jr., 43, é professor titular da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e autor do livro "Taxa de Câmbio e Política Cambial do Brasil" (Edusp).

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