São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 1997
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Reféns do "stop and go"

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA

A economia brasileira fechou 1996 com um crescimento estimado em cerca de 3%. É um desempenho muito aquém do potencial do país e do necessário para a geração de emprego e renda suficientes para garantir uma melhor qualidade de vida da população.
O fato é que, apesar dos resultados inquestionáveis no que se refere à queda dos indicadores de inflação, que apresentaram no acumulado do ano o melhor desempenho das últimas décadas, a política econômica em vigor criou uma restrição ao crescimento.
Desde o início dos anos 80 a economia brasileira vive a saga de sacrificar o crescimento. Na fase anterior à vigência do Real, fosse o risco de hiperinflação, fossem as políticas econômicas adotadas e a incerteza do ambiente econômico, sempre havia uma contraposição ao crescimento sustentado.
Na fase pós-Real, a inflação caiu e o ambiente econômico adquiriu maior previsibilidade, mas a equação básica do crescimento não foi solucionada. Como a capacidade instalada não cresce o quanto deveria, qualquer movimento de crescimento de consumo é abortado por meio de medidas de restrição de crédito, elevação dos juros e aumento dos compulsórios, de forma que o crescimento se torna um subproduto e não o objeto principal da política econômica.
No curto prazo, o desempenho da balança comercial tornou-se o principal fator de restrição ao crescimento.
O déficit comercial atingiu um número próximo de US$ 5 bilhões no ano passado e, contando-se com um crescimento do PIB em torno de 3% a 4% neste ano, o déficit potencial aponta para algo entre US$ 7 bilhões e US$ 8 bilhões, transformando-se no principal limitador do crescimento, na medida em que o seu impacto na balança de transações correntes possa alterar as expectativas dos agentes internos e, principalmente, externos.
O fato é que a mudança estrutural que está ocorrendo na economia brasileira, que tem significado, em muitos casos, a substituição da produção local por importações, levou a uma nova equação, em que o crescimento econômico está diretamente ligado à ampliação das importações.
Como o desempenho das exportações tem sido sofrível, no curto prazo fazer a economia crescer implica gerar déficits na balança comercial. Uma armadilha criada com a política econômica atual.
Destaque-se que o avanço das importações tem se dado não só pelo verdadeiro subsídio do câmbio sobrevalorizado, mas também por uma baixíssima alíquota efetiva média de importação, que, segundo a REceita Federal, situou-se em apenas 7% no ano passado, ou seja, uma verdadeira desproteção ao produtor nacional.
Essa situação nos deixa, mais uma vez, reféns do curto prazo, mais vulneráveis nas contas externas, sem falar na desindustrialização (mesmo que localizada).
Os dados do BNDES apontam para um coeficiente de importações crescente em todos os setores da economia brasileira, com destaque para a indústria de bens de capital, em que a relação entre importações e produção local já supera 50%.
Nos anos 80, o crescimento estava condicionado aos resultados da inflação e das políticas de estabilização, de forma que a atividade econômica era a variável de ajuste que limitava o desempenho econômico e inibia os investimentos.
Nos tempos do Real, a inflação baixa, dada a combinação dos instrumentos que são utilizados para sua obtenção e manutenção, transforma-se contraditoriamente na armadilha do baixo crescimento.
Os elevados juros reais não significam só um desincentivo ao investimento produtivo, que, apesar de ter melhorado, continua estacionado entre 16% e 17% do PIB; inviabilizam a ação do Estado, devido ao espetacular aumento da dívida pública e do seu custo de rolagem.
Depois do Plano Real, o ingresso de capitais externos, o Proer e os juros elevados significaram a triplicação da dívida pública federal no mercado, que já ultrapassa os R$ 170 bilhões.
De fato, é um montante de dívida pequeno em relação ao produto brasileiro, mas o seu custo de rolagem, tendo em vista a combinação de fatores exposta, tem significado, em média, cerca de 4% do PIB ao ano (ou seja, R$ 30 bilhões somente em 1996!), o que, além de tudo, representa uma fantástica transferência de renda de toda a sociedade para o setor financeiro e credores do governo. Esse é o lado perverso do aspecto distributivo do Plano Real, desprezado nas análises oficiais.
1997 aponta para um cenário de inflação muito provavelmente mais baixa do que no ano passado, mas, por outro lado, uma taxa de crescimento também baixa, de 3% ou 4%, muito aquém do suficiente para que o país viabilize a geração de renda e os lugares de trabalho necessários. É preciso valorizar a queda da inflação, mas avançar nas medidas que podem e devem não só diminuir o custo da política econômica como viabilizar o crescimento em bases sustentadas.

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