São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 1997
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A luta de Sagan contra os ETs

JAMES GORMAN
DO "THE NYT BOOK REVIEW"

Em seu último livro ("O Mundo Assombrado pelos Demônios", Companhia das Letras) Carl Sagan, o cientista que já deliciou milhões de espectadores de TV com suas histórias de estrelas e galáxias, dirige um olhar bilioso sobre a pseudociência, a anticiência e o extraterrestre cabeçudo que frequentemente aparece na capa do "Weekly World News".
Não que o sr. Sagan (1934-96) leve o jornal a sério. Ele sabe que o "Weekly World News" é um tablóide de supermercado, que se deleita com lixo fantasista. Comentando outra reportagem no mesmo jornal -sobre o risco de um asteróide se chocar com a Terra e provocar o fim do mundo-, ele observa que há uma ameaça real, se consideradas as estatísticas de períodos longos, de que asteróides se choquem com a Terra.
"Histórias como essa banham o assunto em exagero apocalíptico e fantástico. Tornam difícil para o público distinguir o perigo real da ficção de jornal sensacionalista e, provavelmente, podem bloquear nossa capacidade de tomar medidas contra o perigo", escreve.
Poucas vezes antes um tablóide fora acusado de colocar o planeta em perigo.
O sr. Sagan também tem uma fraqueza pelo apocalíptico. "Lamento que, especialmente com o fim próximo do milênio, a pseudociência e a superstição pareçam cada vez mais sedutoras." E acrescenta: "A vela derrete. A pequena poça de luz treme. A escuridão toma conta. Os demônios começam a se agitar." Ele poderia escrever para jornalecos.
O alvo principal do sr. Sagan é a crença disseminada de que ETs sequestram pessoas. Trata desse assunto e menciona vários tipos de pseudociência e anticiência, criacionismo, crença em milagres e, segundo ele, a alegação dos fabricantes de que não foi provado que o cigarro prejudica a saúde.
Ele observa como é estranho que os únicos ETs a nos visitar tenham basicamente a mesma forma que os humanos. E descreve fantasias similares de outras eras -as visitas noturnas de súcubos (demônios femininos que copulam com os homens durante o sono e causam pesadelos) e íncubos (a versão masculina dos súcubos). "O que é mais plausível: que nós estejamos enfrentando uma maciça mas subestimada invasão de ETs violadores ou que as pessoas estejam sofrendo alguma experiência mental estranha, que não entendem?"
Boa pergunta. O sr. Sagan pode ser ranzina, mas raramente está errado, o que fica claro em uma parte do livro em que ele descreve o mecanismo pelo qual a ciência erra e se corrige. Escreve: "Vou falar agora um pouco sobre os meus erros", e ele lista cinco. O espaço dedicado aos seus erros toma pouco menos de meia página em um livro que tem mais de 400, com uma quantidade de vento mais do que razoável.
Um leitor preferiria que o manuscrito do sr. Sagan tivesse sido sequestrado pelos editores. Com a metade do número de páginas, ele poderia facilmente ter desmascarado a pseudociência e extraterrestres e argumentado que o pensamento científico é essencial para a democracia.
Há, no entanto, um ponto que foi deixado de fora. O sr. Sagan diz que o sistema educacional fracassou ao tentar ensinar ciência às crianças. Mas ele não fala em ensinar os cientistas a escrever. O sr. Sagan sempre escreve claramente. Se nós, não-cientistas, devemos aprender o que é uma reação de polimerase em cadeia (e gostar disso), pensar ceticamente e repudiar o "Weekly World News" para sempre, então os cientistas precisam seguir seu exemplo e usar a voz ativa de vez em quando.

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