São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Embaixador crê em saída pacífica para crise

COSETTE ALVES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Carlos Luiz Coutinho Perez, embaixador do Brasil no Peru, foi feito prisioneiro pelos terroristas do grupo Tupac Amaru junto com outras centenas de pessoas no dia 17 de dezembro.
Três dias depois foi liberado e voltou ao Brasil.
Foi criticado por omissão, ainda que tenha voltado por ordem do Itamaraty. O que se esperava dele? Algum gesto de heroísmo? Uma atitude mais extravagante ou participativa atenderia os críticos?
Não houve preocupação em saber o que sentiu naqueles momentos. Sequer enfatizou-se a percepção de que o Brasil não enfrenta esse tipo de problema -o que acontece, além do Peru, em países como o México e a Colômbia.
A ocupação da casa do embaixador do Japão em Lima reafirma a impressão de que a América Latina é um continente surpreendente. O Peru venceu o terrorismo com a prisão do líder do Sendero Luminoso, mas foi vítima do Tupac Amaru, que poucos conheciam. O México também parecia ir muito bem, até que apareceram os zapatistas e a crise de 1994.
Voz calma, pausada e muito tranquilo, o embaixador Carlos Perez concedeu entrevista à Folha, diretamente de Lima, por telefone.
*
Folha - Como o sr. se sente de volta à embaixada em Lima?
Carlos Luiz Coutinho Perez - Muito bem, especialmente por reincorporar-me plenamente à rotina de trabalho, ao contato com meus colegas de posto e por poder dar seguimento aos assuntos que interessam ao relacionamento bilateral do Brasil com o Peru.
Folha - Quais suas impressões visuais na chegada a Lima? Havia manifestações de rua?
Coutinho Perez - Reencontrei Lima em um clima de absoluta normalidade nas ruas, sem que nada de diferente me chamasse a atenção.
Folha - Dá para o sr. descrever o dia da invasão da embaixada? De que sentimento foi tomado?
Coutinho Perez - A lembrança mais marcante que tenho é da perplexidade dos primeiros momentos e da atitude espontânea de entendimento entre todos os presentes para deixar de lado individualismos e procurar fazer com que os danos fossem mínimos.
Folha - Quantas horas o sr. dormia?
Coutinho Perez - Numa circunstância como essa, modificam-se os parâmetros que consideramos normais. No caso do sono, dorme-se quando e pelo tempo que é possível.
Folha - Quais foram os primeiros alimentos?
Coutinho Perez - Água e um pouco de pão.
Folha - Quando sua mulher saiu, ficou emocionada ao deixá-lo?
Coutinho Perez - Minha mulher saiu juntamente com as demais senhoras que estavam na recepção japonesa. A decisão da saída foi tomada pelo comando do MRTA e não havia outro remédio senão obedecer. Não apenas ela ficou emocionada; eu também, mas com a emoção misturada ao alívio de vê-la livre de uma situação cujo final não se podia prever.
Folha - Sentiu medo da morte?
Coutinho Perez - Em alguns momentos sim. Mas é incrível como, em circunstâncias limites, pode-se encontrar forças para tratar de racionalizar e procurar minorar os danos.
Folha - Como se comportavam os sequestradores? Houve alguma crueldade?
Coutinho Perez - Eles demonstraram estar bem treinados e procuraram em todos os momentos tratar os reféns da maneira mais digna possível, dentro do que as circunstâncias permitiam e sem jamais passar a impressão de perda de controle da situação. Não se poderia falar em crueldade.
Folha - Os srs. foram ameaçados?
Coutinho Perez - A situação já era uma ameaça em si mesma, não?
Folha - Por que o sr. voltou para o Brasil?
Coutinho Perez - Como profissional da diplomacia, obedeço instruções do Itamaraty. E o entendimento prevalecente naquele momento foi de que eu deveria voltar.
Folha - O sr. como diplomata, foi muito criticado pela imprensa. Se tivesse de começar tudo de novo, o que faria?
Coutinho Perez - Teria preferido que as informações a meu respeito tivessem saído de maneira mais completa e sem perder de vista que, num quadro de crise, o próprio dinamismo da situação leva a decisões de governo necessariamente rápidas. Esse é o sentido que gostaria que tivesse sido dado à informação da minha viagem ao Brasil. Sou profissional e obedeço instruções.
Se pudesse reescrever o que foi dito sobre mim, assinalaria que minha viagem ao Brasil não foi uma fuga de qualquer compromisso. Aliás, não saí da residência japonesa com o encargo de negociar. Apesar disso, cumpri com o que se considerou dever de ofício, ou seja, acompanhar os dois outros embaixadores comigo libertados em visita ao ministro Domingo Palermo. Também fui convidado para encontro com o chanceler do Japão, que naquele momento encontrava-se em Lima.
Outra coisa que fiz antes de viajar ao Brasil foi fazer chegar aos familiares de meus colegas estrangeiros, ainda reféns, suas mensagens. Apenas depois disso tudo é que embarquei no avião da Força Aérea Brasileira para Brasília.
Folha - O sr. acha que é possível a embaixada do Brasil em Lima colaborar nesse assunto com o governo de Alberto Fujimori?
Coutinho Perez - O governo brasileiro teve uma posição muito nítida desde o primeiro momento do episódio e não faltou, no momento oportuno, contato direto entre os presidentes Fernando Henrique e Fujimori. Além da preocupação com a integridade física dos reféns e da esperança numa saída pacífica para a crise, foi manifestada ao governo peruano a nossa solidariedade e a disposição de colaborar se assim fosse pedido.
Folha - Quem está encarregado de chefiar as negociações com os sequestradores?
Coutinho Perez - Não sei se seria próprio falar, neste momento, em negociações com um sentido formal, como se poderia depreender da pergunta. Existe um interlocutor designado pelo governo que é o ministro da Educação, Domingo Palermo. Mas é indiscutível que as decisões são, como é natural em circunstâncias como a presente, do próprio presidente Fujimori.
Folha - Na sua opinião, essa foi uma ação política ou movida por causas econômicas?
Coutinho Perez - Esse é um tema que seguramente ocupará muita atenção interna aqui no Peru.
Folha - Quais suas expectativas para o prosseguimento da crise?
Coutinho Perez - Sou otimista e acredito que será encontrada uma saída pacífica. Até mesmo pelo que eu chamaria de distorção profissional, acredito, como diplomata, no poder do diálogo e na disposição de buscar soluções. Quantos exemplos não poderíamos dar de situações delicadas para as quais se encontrou, com paciência e arte, uma solução.
Folha - O presidente Fujimori tem o apoio da população ou ela está dividida?
Coutinho Perez - O presidente tem o apoio da população.
Folha - Na sua opinião, essa ação terrorista poderá vir a inibir possíveis novos investimentos no Peru?
Coutinho Perez - Uma avaliação desse tipo somente será possível fazer uma vez superada a crise. Ainda é muito cedo para ver com clareza como os agentes econômicos reagirão. Até o momento, os sinais são de normalidade e, sintomaticamente, não se conhecem manifestações de desacordo com a administração da crise, por parte do governo. Ao contrário, o presidente Fujimori vem recebendo reiteradas manifestações de respaldo por parte da comunidade internacional, o que não deixa de ser, de alguma forma, um indicador para avaliações futuras.
Folha - As relações econômicas Japão-Peru poderão ser afetadas?
Coutinho Perez - Da mesma maneira que na pergunta anterior, ainda não é possível fazer uma análise conclusiva sobre os eventuais efeitos econômicos da crise nas relações dos dois países. De qualquer maneira, numa análise desse tipo deverá estar presente a importância que o relacionamento representa para as duas partes.
Folha - Por conta desse atentado, a segurança nas embaixadas no Peru será reforçada?
Coutinho Perez - Aqui, como em qualquer outro lugar, as embaixadas têm seus mecanismos de segurança, sempre dentro das disponibilidades financeiras de cada país. Poderia, nas circunstâncias, haver um pouco mais de atenção nessa parte, mas não acredito que venha a ser algo exagerado, muito além ou diferente dos esquemas que hoje se aplicam.
Folha - Como é a segurança na embaixada do Brasil?
Coutinho Perez - Tomamos nossas medidas preventivas de vigilância e contamos com a colaboração das autoridades peruanas, também nesse particular. No caso brasileiro, as considerações sobre a segurança não significam ir além do que é recomendável, nem tampouco perder de vista a necessidade de bem administrar os recursos públicos.
Folha - Tem-se muita notícia pela imprensa que a condição dos presos políticos em Lima é extremamente precária. O sr. acha que a invasão da embaixada poderá ter como produto uma melhoria dessa situação?
Coutinho Perez - Melhor resposta a essa pergunta podem dar as autoridades peruanas. O que poderia eu dizer é que existem reiteradas manifestações, por parte do governo do Peru, de preocupação com a melhoria das condições prisionais em geral, independentemente de episódios como o que hoje nos ocupa a atenção.
Folha - Qual é a população do Peru e o nível de desemprego?
Coutinho Perez - O Peru tem cerca de 23 milhões de habitantes, dos quais quase sete milhões concentrados em Lima. Os cálculos sobre desemprego variam de acordo com a fonte, mas se poderia estimá-lo em torno dos 9,2%. O subemprego seria de 46,5%.
Folha - Existe seguro-desemprego no Peru?
Coutinho Perez - Não.
Folha - Como estão os investimentos em saúde e educação?
Coutinho Perez - O Peru não é exceção no quadro latino-americano, onde são grandes as carências em ambas áreas.
Folha - O episódio pode prejudicar o presidente Fujimori nas próximas eleições?
Coutinho Perez - Ainda me parece cedo para avaliações quanto às futuras eleições, que se realizarão no ano 2000. O impacto do episódio da invasão da residência japonesa tanto poderá ser negativo quanto positivo, dependendo do seu desfecho. Até as próximas eleições, contudo, outros fatores também terão peso na determinação da preferência popular.
Folha - O que o sr. aprendeu desse momento tão intenso de que participou, como experiência pessoal? Quais são suas percepções?
Coutinho Perez - Sempre se aprende em circunstâncias-limite, especialmente sobre a natureza humana. Mas acho que minha percepção básica não mudou. No fundo, nós, diplomatas, temos, de uma maneira ou de outra, a noção de que estamos expostos, por dever de ofício, a situações como as que se criou na casa do embaixador do Japão, Morihisa Aoki. São os ossos do ofício, para os quais temos de estar preparados.
Folha - Voltou a dormir bem?
Coutinho Perez - Sim.
Folha - Se não fosse diplomata o que gostaria de ser?
Coutinho Perez - Fui jornalista antes de entrar na carreira e, embora esteja muito feliz com a opção profissional que fiz, acho que poderia de novo tentar a imprensa.
Folha - O que mais gosta e o que mais detesta em si mesmo?
Coutinho Perez - O que mais gosto é a capacidade de reagir friamente em situações de crise. Detesto talvez a tendência a esquecer eventuais injustiças sofridas.
Folha - O que mais gosta e o que mais detesta nas pessoas?
Coutinho Perez - Admiro a lealdade.
Folha - Qual sua mensagem pessoal depois de ter passado por essa experiência?
Coutinho Perez - Ter esperanças.

LEIA MAIS sobre o Peru à página seguinte.

Texto Anterior: Freira americana discute o sexo de Deus
Próximo Texto: Tupac Amaru se afasta da "via política"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.