São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 1997
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A fórmula científica da mediocridade

GILBERTO DIMENSTEIN

Nenhum brasileiro ocupa cargo tão importante nas universidades americanas como Alexandre Scheikman, diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Chicago -onde existe a maior concentração de laureados de Prêmio Nobel por metro quadrado.
Como a maioria dos brasileiros que ganhou respeito intelectual vivendo no exterior, Scheikman acalenta um projeto: voltar ao Brasil, mesmo perdendo regalias. "É duro ficar fora", comenta.
Ele tentou voltar, mas não conseguiu. Há alguns anos, arrumou as malas e passou um ano no Rio. Logo constatou que teria dificuldades de fazer pesquisa e seria obrigado a dar consultorias para sobreviver.
Retornou para Chicago, onde convive com a elite da produção acadêmica mundial. Além de dirigir um departamento, ele está metido numa fértil investigação sobre as causas econômicas da violência urbana.
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O casal de médicos Victor e Ruth Nussenzweig vive situação semelhante. Ambos chefiam departamentos da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York e já foram indicados para Prêmio Nobel. Suas descobertas foram a base para uma vacina contra a malária, divulgada semana passada, produzida nos laboratórios do governo americano.
Se a vacina funcionar fora dos laboratórios, vai ser uma das mais relevantes contribuições brasileiras à saúde pública. A malária atinge cerca de 300 milhões de pessoas por ano; 2 milhões morrem.
"Sempre quis voltar, nosso coração está no Brasil. Mas tinha medo de não ter condições de desenvolver as pesquisas. Tudo é muito instável", lamenta Victor.
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Eles não estão exagerando. Quem tiver dúvidas, veja o crime que cometeram contra a Embrapa. Apesar das inestimáveis descobertas na produção de alimentos, cortaram verbas, projetos foram desativados. Isso num país de desnutridos.
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Há culpados por todos os lados: professores e cientistas foram expulsos por problemas políticos ou por falta de verbas, além de politicagem acadêmica.
Falta apoio empresarial. Nos EUA, metade da conta das pesquisas é paga pelo setor privado. Graças a uma família (os Diamond) houve patrocínio para o cientista David Ho encontrar uma fórmula contra a Aids. O especulador financeiro Michael Milken é responsável pela maior drenagem de recursos para estudos contra câncer de próstata. Apenas a IBM gasta em pesquisa mais do que o Brasil inteiro.
O pesquisador Isaías Raw, diretor do Instituto Butantan, em São Paulo, acrescenta outro fator para a situação de indigência da pesquisa científica no Brasil: mediocridade acadêmica. "A verdade é que nosso sistema premia os preguiçosos e não valoriza o talentoso", diz.
Explicando: os salários nas universidades são sempre iguais, não há diferença por mérito. "Ganha igual o vagabundo que não trabalha e o esforçado que se mata no laboratório", afirma Raw, um dos responsáveis por transformar o Butantan num centro de excelência.
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O bom pesquisador americano é disputado com polpudas ofertas. As faculdades aqui são permanentemente avaliadas, comparadas, submetidas a um ranking. Um dos critérios é a qualidade da pesquisa de seus professores. O sucesso é valorizado, aplaudido e recompensado.
No Brasil, fazer sucesso, como costumava dizer Tom Jobim e repete Jorge Amado, dois brasileiros de prestígio internacional, é ofensa pessoal. Talento e criatividade inspiram mais inveja do que admiração. Há um prazer mórbido em se desejar não a superação de quem faz sucesso, mas a destruição, para manter o parâmetro de mediocridade. O que tira da inveja um lado construtivo.
Acompanhei de perto a torcida de jornalistas contra a Folha, mais por suas qualidades do que defeitos -exatamente como existe uma torcida contra a TV Globo e a revista "Veja".
Incomoda no escritor Paulo Coelho as falhas literárias ou o sucesso internacional jamais obtido por um escritor brasileiro? Há anos tentam destruí-lo como se fosse o inimigo número um da cultura nacional.
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A tese da isonomia é apenas a consequência da lógica da ojeriza à competição. Na opinião do biólogo Fernando Reinach, professor da USP e da Universidade de Cornell, em Nova York, a fórmula da mediocridade salarial está fincada na ausência de avaliação. "Como não se avalia, não se sabe quem deve ganhar mais", acredita Reinach.
É a mesma impressão do pesquisador do Ipea, Ricardo Barros, atualmente professor visitante da Faculdade de Economia em Chicago. "A cultura acadêmica brasileira não estimula a avaliação, coisa a que a criança americana se acostuma desde cedo."
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O resultado óbvio é previsível. Nesse ambiente de falta de competitividade e transparência, mesmo o pouco dinheiro corre o risco de ser desperdiçado, distribuído sem critério por vários lugares e não concentrado nos centros de excelência.
Nunca me senti tranquilo em relação à concessão pelo governo de bolsas de estudos no exterior. Os critérios são orientados por um projeto nacional? Os professores universitários têm patotas como têm os jornalistas? Será que o aluno, quando volta depois de anos de estudo, recebe apoio para aplicar e desenvolver seus conhecimentos no Brasil?
As respostas que recebo de pesquisadores não são as mais animadoras.
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PS - Para fazer justiça. Os entrevistados para esta coluna apontaram a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo como exemplo de eficiência e austeridade, a ser seguido pelo Brasil.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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