São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O golpe e o crime

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Docemente constrangida, dona Ruth afinal admitiu que é a favor não apenas da reeleição como tese, mas da reeleição-já para seu marido.
Com modéstia, revelando falta de ambição, confessou que para ela seria melhor pensar em outra coisa, ir para casa cuidar dos netos, essas coisas. Mas se vai haver reeleição -na opinião dela-, a nova norma constitucional deve valer para o esposo, pai de seus filhos, avô de seus netos. Comovente. As lágrimas enchem-me os olhos.
Há uma lei moral não escrita -e às vezes escrita- que é obedecida até pelos maiores gângsteres da máfia, dos antros do jogo, dos bicheiros, dos traficantes: iniciado o jogo, não se mudam as regras. É a garantia mínima de que haverá uma lei maior acima das questiúnculas que poderão surgir no decorrer da partida.
A estratégia de FHC para descolar um novo mandato não é casuística: é golpista. Conhecemos a mecânica desse golpe: um presidente civil ou militar localiza a fonte do poder, seja nas casernas, seja no capital externo, seja nos interesses empresariais e da elite dirigente. Passa a governar para esses setores, cumulando-os de agrados. E obtém a continuidade do poder, uma vez que militares, capital externo, empresários e elites, que tanto temem o caos, só ficam tranquilos quando o governante faz o pacto sinistro: "Evito o caos, mas vocês me apóiam até o final dos tempos".
Essa fórmula é velha, não tem inteligência alguma, nem criatividade. Cabe muito bem a FHC: ele acha que descobriu a pedra filosofal, o elixir da juventude que o manterá no poder enquanto o pacto durar.
Tudo bem. Parodiando Mozart, assim fazem todos os governantes para quais o poder justifica o crime ou o golpe. Pode parecer exagero falar em crime em se tratando da pessoa pacífica do atual presidente. Mas golpe continuado, mais cedo ou mais tarde, termina em crime.

Texto Anterior: O sonho do PMDB
Próximo Texto: A Alemanha e a regulamentação excessiva
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.