São Paulo, sexta-feira, 17 de janeiro de 1997
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Hospitais continuarão a pedir permissão

MAURO TAGLIAFERRI; ROGERIO SCHLEGEL
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma espécie de "desobediência civil" ameaça a eficácia do projeto que altera a legislação a respeito de doação de órgãos.
Diretores de hospitais paulistas ouvidos ontem pela Folha afirmaram que continuarão condicionando a extração de órgãos à autorização dos familiares do doador ou à vontade do próprio, caso tenha sido formulada em vida.
"A orientação que passarei à minha equipe é a de continuar solicitando a anuência da família. Não vamos retirar órgão sem consentimento da família, mesmo que haja um paciente precisando urgentemente desse órgão", afirmou o diretor clínico do Hospital São Paulo, José Medina Pestana.
Segundo ele, pode haver algum tipo de contestação judicial posterior por parte dos familiares.
"Pode-se tentar questionar, entre outras coisas, o laudo de morte encefálica. Sei que, no final do processo, o médico até ganhará a ação, mas a dor de cabeça e repercussão negativa do caso não compensam e podem até atrapalhar a imagem do programa de doação de órgãos", disse Pestana.
O diretor acha que o pedido de consentimento ficará até mais "simpático" após a nova legislação. "A abordagem fica mais fácil. Você pode chegar e dizer que 'por lei, o órgão está doado, mas vamos pedir sua autorização"', disse.
Celso Roberto Scafi, do setor de captação de órgãos do Hospital de Clínicas da Unicamp, admite que a entidade poderá continuar pedindo autorização das famílias para fazer a retirada dos órgãos.
"O que tememos é que a proposta seja absorvida pela sociedade como algo impositivo, e as famílias passem a se opor sistematicamente à retirada de órgãos. Aí podemos pensar em desconsiderá-las".
Scafi avalia que, em geral, a família do doador já está passando por momento difícil e se deve evitar o trauma da retirada compulsória.
Para o presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, Elias David-Neto, por questões éticas os médicos devem continuar pedindo autorização à família, mas o projeto, se virar lei, vai ajudar nisso.
"É mais um argumento, uma forma de pressão, dizer aos familiares que seu consentimento é dispensável, graças ao amparo da lei."
(MT e RSc)

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