São Paulo, sexta-feira, 17 de janeiro de 1997
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Medida lembra samba do crioulo doido

JORGE LUCKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

No meu dia-a-dia dois assuntos convivem com bastante intensidade: a engenharia e o vinho.
No meu lado engenheiro, qualquer ação, qualquer pensamento são baseados no racional. Têm assim uma finalidade concreta, objetiva e mensurável.
O vinho, como paixão honesta e pura, ativa um lado meio romântico de divulgar uma cultura, aumentar o universo de consumidores, melhorar seu nível de satisfação e conhecimento.
Nos dois aspectos a portaria 255 me faz lembrar do samba do crioulo doido. A diferença é que este era uma brincadeira bem-humorada vinda de um cérebro inteligente.
Analisando do ponto de vista racional, não há como encontrar argumento que justifique a medida. Não dá para entender quem vai ganhar com isso.
Vejamos:
1) Visita às instalações não apura nada. Os locais, salvo raras exceções, são limpos e higiênicos.
2) Degustação "in loco" não detecta vinho ruim e impróprio para consumo. O que pode condenar um vinho é uma análise de laboratório aqui no Brasil -ou seja, o produto realmente recebido!
3) Qualquer brasileiro médio sabe que fiscal não avalia nada.
4) Não há pessoal suficiente no Ministério da Agricultura para executar as funções.
5) A medida, que no fundo tem por finalidade proteger a indústria vinícola nacional, não vai cumprir esse objetivo. É uma forma disfarçada de protecionismo.
6) Se essa fosse a solução para limitar entrada de zurrapas, outros países muito mais preocupados com a saúde e o bem-estar de suas populações já a teriam adotado.
Alguém de bom senso tem de mudar essa determinação. A portaria, que deveria atingir os maus vinhos, vai alcançar só os bons.
Ficarão mais raros e caros aqueles vinhos de pequena produção, realmente com qualidade, que não eram o alvo.
Grande parte desses vinhos é muito disputada no mercado internacional e só chega ao Brasil por causa da amizade e relacionamento pessoal que alguns importadores têm com o produtor.
Que, com certeza, não vão entender nem concordar em receber alguém que não é do ramo para atestar a qualidade de seus vinhos.
Assim, continuaremos importando os mesmos vinhos que na verdade deveriam ser atingidos pela portaria e sem alterações de preço, porque as quantidades são muito grandes.
Se ninguém sai ganhando, são muitos os que saem perdendo.
Eu, com certeza, vou ter menos opções de vinhos para orientar consumidores e para elaborar cartas de vinhos interessantes.

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