São Paulo, sexta-feira, 17 de janeiro de 1997
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György Ligeti traz alegria à produção contemporânea

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Alegria e humor não são exatamente as primeiras palavras que vêm à cabeça quando se pensa em música contemporânea. Mas numa época de indefinição e falta de rumo para a composição, a música alegre do húngaro Gyõrgy Ligeti é uma das poucas unanimidades entre coletas, crítica e público.
Ligeti nasceu em 1923, numa pequena cidade da Transilvânia, que hoje pertence à Romênia.
Em 56, depois de perder o pai e o irmão no campo de concentração nazista em Auschwitz, passar uma temporada ele mesmo em campo de trabalhos forçados e ver sua música banida pelo partido comunista, decidiu escapar da Hungria.
Viajou à casa do compositor alemão Stockhausen, que o acolheu após duas noites e um dia de conversa, episódio que pertence ao fabulário da música moderna.
Sua música é quase imediatamente acessível -vide o uso de sua peça para 16 vozes, "Lux Aeterna", na trilha sonora do filme "2001, uma Odisséia no Espaço"-, mas não deixa jamais de intrigar, para não dizer encantar.
O primeiro livro de seis "Estudos" para piano foi composto em 85. Ligeti, aqui, já está longe das nuvens de som e mecanismos obsessivos de "Lontano" (67) ou "Atmosferas" (61) estilo "2001".
A tradição do humor húngaro -entre o absurdo e o cômico, de uma alegria também desesperada- encontra neste músico o seu maior e inesperado expoente.
O segundo livro, com mais oito "Estudos", data de quatro anos atrás e inclui um estudo "javanês", um breve estudo ("Aprendiz de Feiticeiro") que é o que o minimalismo gostaria de ser quando crescer, e duas peças vertiginosas, verdadeiras cascatas de escalas para pianistas que gostam de viver perigosamente.
O sueco Fredrik Ullén é um deles, tocando tudo com tamanha naturalidade que chega a ser uma ofensa. Seu projeto é gravar a obra completa para piano de Ligeti.
O CD traz ainda algumas curiosidades, pequenas peças de ocasião; entre elas, a "Fantasia Cromática", escrita ainda na Hungria, em 56, em estilo dodecafônico.
Em 95, Ligeti escreveu a primeira peça, "Branco sobre Branco", de um terceiro livro de estudos. Oxalá escreva outras seis logo: cada peça justifica a existência dessa entidade vaga, a música contemporânea, como justifica a existência mais vaga de cada um de nós.

Disco: The Complete Piano Musica, Vol. 1 Études (Livros 1 e 2), Fantasia Cromática e outras peças
Autor: Gyõrgy Ligeti
Lançamento: Bis (importado)

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