São Paulo, sexta-feira, 17 de janeiro de 1997
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Guerra traduz livro de Cony para as telas

ANTONIO CARLOS DE FARIA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DO RIO

O pai, principal personagem do livro "Quase Memória", de Carlos Heitor Cony, segue sua trajetória de assombros e deve reencarnar na interpretação do ator Antonio Fagundes, em adaptação do romance que será filmada por Ruy Guerra.
Fagundes, descreve Cony, "é um pouco mais gordo, não é tão atlético quanto foi o pai", remador do clube São Cristóvão, na época em que o remo era tão ou mais popular que o futebol.
"Ele é um grande ator. Se usar uma gravata a 'Lavallière', poderá incorporar o estilo do personagem e superar as diferenças físicas", diz o autor. A imagem do pai não se dissocia da gravata, de laço largo, ancestral dos modelos modernos.
Desafio mesmo terá o diretor Ruy Guerra. Cony filho acha impossível uma tradução cinematográfica das histórias de Cony, o pai. Afirma que as histórias do livro são "apenas jogos de palavras", sem possibilidade de virarem narrativa cinematográfica.
Os direitos para a adaptação e filmagem foram comprados há quase dois meses pela produtora Sky Light, que tem dois anos para executar o projeto. Nesse período, Guerra deve antes realizar um filme baseado no romance "Estorvo", de Chico Buarque.
Cony não revela quanto ganhou com o contrato, que não prevê sua participação na elaboração do roteiro. Quer ter o mínimo de interferência na adaptação do romance. E diz que faz isso por respeitar a autonomia entre as formas da arte.
Porém, o escritor e membro do conselho editorial da Folha reserva uma surpresa para os apreciadores de seu livro. Dois novos capítulos poderão ser escritos apenas para o filme.
"Depois que publiquei o livro, senti necessidade de contar essas duas novas histórias. Agora elas poderão aparecer no filme", afirma Cony. Como as demais situações descritas no romance, o autor diz que essas novas histórias também não possuem trama que possam resultar num bom filme.
O autor revela uma apreensão. Para ele, as adaptações de obras literárias costumam resultar em filmes medíocres. E os grandes filmes geralmente nascem de textos pobres, muitas vezes de best sellers que já são escritos com o autor pensando numa futura adaptação para o cinema.
Se não vai dar palpite depois que o roteiro estiver pronto, Cony não nega conselhos antes que ele seja escrito. "Há que se evitar o narrador em off", diz ele, considerando que o artifício é próprio de cineastas menores. O narrador tiraria a magia do texto literário.
Outro cuidado deve ser tomado com os clichês. "O cinema criou mais clichês em cem anos de história do que a literatura em 8.000", define o escritor.
O projeto nasceu de um telefonema de Ruy Guerra para Cony. O diretor disse que havia ficado encantado com o livro e queria transformá-lo em filme.
O escritor ficou surpreso e perguntou o que um angolano via de interessante nas histórias de um jornalista que morou em Lins de Vasconcelos, subúrbio do Rio. Guerra respondeu que aquelas histórias fantásticas lembravam para ele o próprio pai.
Convívio com o cinema não falta a Cony, que teve dois romances e quatro roteiros originais filmados, nos anos 60 e 70. Além disso, escreveu as sinopses de três novelas da Manchete, entre elas "Kananga do Japão".
Dessa última obra, ele guarda uma experiência que quer repetir na filmagem do "Quase Memória". Na sua opinião, o contexto da história é dado pela música de época. Em "Kananga", ele escolheu e orientou a trilha sonora.
Agora, ele gostaria de opinar na escolha das músicas que vão mostrar o mundo de seu pai.

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