São Paulo, sexta-feira, 17 de janeiro de 1997
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Biografia liberta Eastwood de estigmas

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Faça minha vida" (make my life), poderia dizer Clint Eastwood para seu mais novo biógrafo, Richard Schickel, parafraseando o mote célebre do policial durão "Dirty" Harry.
"Clint Eastwood - A Biography" (Alfred Knopf, Nova York, 558 págs., US$ 27,50), lançada no final do ano passado, é assumidamente a versão autorizada da vida de um dos maiores astros do cinema americano do pós-guerra.
A diferença entre esse novo livro e as biografias oficiais que tradicionalmente ocultam mais do que revelam seus personagens é a assinatura de Schickel, um dos mais equilibrados críticos de cinema dos EUA, resenhista da "Time" e biógrafo de Griffith e Brando, entre outros.
"Clint Eastwood" é sua maior aposta. Schickel faz a crônica "de uma das mais extraordinárias reversões de fortuna crítica da história do cinema".
Seu livro mostra como um astro revelado com o ápice dos westerns-spaghettis e cristalizado com um polêmico policial linha-dura soube transformar-se gradativamente num dos cineastas mais iconoclastas e independentes da Hollywood pós-grandes estúdios.
O ponto alto da biografia é sua primeira metade, em que Schickel pacientemente reconstitui a eclética formação e lenta ascensão de Eastwood, nascido em São Francisco em maio de 1930.
Os três primeiros capítulos traçam um desglamurizado e antideterminista retrato de uma futura estrela quando jovem.
Tudo começou com uma infância e adolescência de errância pelo interior da América, na esteira do pai de múltiplas profissões, um efetivo talento técnico, o amor à música herdado da mãe, uma presença física de raro impacto, apesar do constraste entre o corpo alto e forte e o rosto resistentemente imaturo.
Fixação
Não se pode falar numa vocação cinematográfica precoce para Eastwood, que acabou abraçando a carreira de ator antes como um trabalho mais ou menos seguro do que como uma fixação.
O tradicional curso para aspirantes dos estúdios Universal foi a porta de entrada para as primeiras pontas em filmes B, como "A Revanche do Monstro" (1955), de Jack Arnold. Nas horas vagas, o curioso coadjuvante perambulava pelos bastidores numa espécie de supletivo para diretor.
Um papel secundário mas crescente numa telessérie de razoável sucesso da CBS, "Rawride", sobre as aventuras de um grupo de vaqueiros, retirariam Eastwood do anonimato no início dos anos 60.
Foi seu desempenho como o jovem e impetuoso Rowdy Yates que levou um obscuro ator americano radicado na Itália, Richard Harrison, a recomendar seu nome para o faroeste barato que um jovem e ambicioso diretor preparava.
O cineasta era Sergio Leone, e o filme, "Por Um Punhado de Dólares" (1964), abriu a trilogia ("Por Alguns Dólares A Mais", 1965, e "Três Homens em Conflito", 1966) que posicionou a ambos definitivamente no mercado fílmico mundial.
A revitalização do faroeste iniciada com a parceria Leone-Eastwood (tema de boa disputa reproduzida por Schickel) seria uma das linhas-mestras da carreira do Clint cineasta, assinando o subestimado "Josey Wales, o Fora-da-lei" (1976) e o multioscarizado "Os Imperdoáveis" (1992). Antimaniqueísmo, ceticismo e ultra-individualismo marcariam todos seus principais filmes.
O devido reconhecimento do Eastwood diretor seria contudo atrasado por mais de uma década paradoxalmente por causa de seu sucesso como ator.
Herdando de Paul Newman e Frank Sinatra o papel do policial violento e solitário de "Perseguidor Implacável" (Dirty Harry, 1972), dirigido por seu mentor Don Siegel, Eastwood carregou até o final dos anos 80 o epíteto de "fascista" atribuído por uma resenha espumante da grande Pauline Kael na "The New Yorker".
Uma entrevista televisionada de ninguém menos que Orson Welles em 1982, classificando-o como o "mais subestimado diretor em atividade hoje no mundo", prenunciou o lento mas vigoroso resgate do prestígio de Eastwood.
Filmes como o jazzístico "Bird" (1990), o sombrio "Os Imperdoáveis" e o secamente romântico "As Pontes de Madison" (1995) ainda estavam por vir. Curiosamente, a crônica de suas produções não parece empolgar tanto Schickel.
É como se a força das obras falasse por elas mesmas -e Eastwood, afinal, se impusesse sobre todos os estigmas.

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