São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 1997
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Tédio e incomunicabilidade

LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Se o primeiro dia do julgamento de Guilherme de Pádua foi marcado por um clima de tensão, com manifestações públicas contra o réu, incidentes e protestos da defesa, no segundo dia o tédio tomou conta do tribunal.
Depois de um atraso de duas horas, os trabalhos se iniciaram com um relatório do juiz para os jurados. Em seguida, começou a leitura de peças do processo escolhidas pela acusação e pela defesa. É uma formalidade sem sentido, anacrônica e demorada.
No Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, a prova do crime não é colhida diante do corpo de jurados. Ele só entra em cena quando a instrução do processo está pronta. Normalmente, testemunhas não são nem chamadas a depor durante os julgamentos. Só em casos de maior repercussão ou complexidade.
A lei autoriza, como compensação, que as partes indiquem depoimentos policiais e judiciais, laudos ou decisões para serem lidos por um escrevente, geralmente sem boa dicção, partindo do pressuposto de que os jurados estarão atentos a tudo e serão capazes de perceber o valor real de cada peça. Pura ficção.
Acusação e defesa poderiam abrir mão dessa fase ou, pelo menos, abreviá-la.
A leitura burocrática e interminável, aliada ao calor infernal que aflige a cidade do Rio de Janeiro, fez desaparecer o interesse pelo que acontecia -a rigor, nada- no interior do plenário. A pequena platéia bocejava e se abanava.
A animação nas ruas também desapareceu ontem. Os militantes a favor da condenação de Pádua não se aglomeravam diante do tribunal.
O desinteresse dos jornalistas era quebrado apenas pela passagem de um ou outro artista de TV que se fez presente em solidariedade à mãe da vítima.
Benedita da Silva
Durante a tarde de tédio, chegou a notícia de que a testemunha de acusação e senadora Benedita da Silva (PT-RJ) havia sido entrevistada pelo telefone celular. A defesa de Pádua anunciou, nos corredores, que a incomunicabilidade estava quebrada e que, se ela fosse inquirida e o réu condenado, iria pedir a anulação do julgamento.
O Código de Processo Penal determina que as testemunhas sejam recolhidas em local separado (as de acusação das de defesa) e de onde não possam ouvir os debates nem as respostas umas das outras.
Pode-se argumentar que uma simples entrevista não interfere em nada. Não interfere mesmo. Pode-se dizer que ela não falou sobre o caso concreto. Mas, se a testemunha, supostamente incomunicável, tem acesso a um telefone celular, ela pode, em tese, estar sendo informada a respeito do que acontece no plenário.
A quebra da incomunicabilidade anula o julgamento. O princípio existe para ser seguido. É papel do juiz zelar pelo cumprimento das regras.

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