São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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Dados na contramão

CELSO PINTO

O governo argumenta que o buraco nas contas externas não preocupa porque boa parte dos dólares vai para investimentos produtivos que, em alguns anos, gerarão exportações e o final da história será feliz. Dois dados, contudo, vão na contramão desse enredo.
Se os investimentos estão disparando, então o consumo de bens de capital deveria estar crescendo significativamente. O governo, aliás, insiste que o item mais dinâmico nas importações é exatamente o de bens de capital, indicando um sólido movimento de investimentos.
Só que os dados da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) não endossam nenhuma das duas idéias. O consumo aparente de bens de capital mecânicos em 1996 caiu 8,3%, de US$ 19,3 bilhões para US$ 17,7 bilhões. Alguns argumentam que a abertura às importações e redução de tarifas baixou o custo dos bens de capital, e que isso se refletiu nos valores. De 94 para 95, contudo, o consumo aparente havia subido 11,5%.
Consumo aparente é o total consumido no país, já consideradas as importações e descontadas as exportações. Num ambiente de forte aumento dos investimentos, portanto, ele deveria estar crescendo. Sérgio Magalhães, presidente da Abimaq, lembra que o setor automobilístico, apesar do barulho, registrou investimentos nada excepcionais de US$ 700 milhões de junho de 95 a junho de 96 (último dado oficial conhecido).
A produção interna de bens de capital mecânicos no ano passado caiu 12,8%, de US$ 16,5 bilhões para US$ 14,4 bilhões. E a parcela destinada à exportação subiu 2,2%, de US$ 3,2 bilhões para US$ 3,3 bilhões.
Enquanto isso, as importações subiram 9,6%, de US$ 6 bilhões para US$ 6,6 bilhões. Entre 1993, ano anterior ao Plano Real, e o ano passado, as importações subiram 158%, de US$ 2,5 bilhões para US$ 6,6 bilhões.
A produção local chegou a atender 94% do consumo interno em 1980. Essa parcela estava em 63% no ano passado e a projeção é que caia para 50% neste ano. Está claro, portanto, que uma boa parcela das importações de bens de capital veio apenas substituir o que era fornecido pelas indústrias locais. Mesmo com o consumo caindo, as importações continuaram a subir. Só o número de importação de bens de capital não é garantia de um "boom" nos investimentos.
Naturalmente, o aumento das importações teve um aspecto saudável, reconhecido por Magalhães, de renovação tecnológica e preços menores. O que a Abimaq reclama é que a concorrência nem sempre foi leal pela falta de financiamentos, câmbio valorizado e fraudes na importação de bens sem similares.
A projeção da Abimaq para este ano é de queda de 7,6% na produção, aumento de 9% no consumo aparente e um salto de 42% nas importações.
O suspeito errado
Nem todos prestaram atenção nas conclusões da Comissão de Sindicância do Ministério da Fazenda, divulgadas na semana passada, que durante um mês e meio apurou se houve especulação com Títulos da Dívida Agrária (TDAs). Resumindo o caso, existem dois tipos de TDAs, os registrados na Central de Custódia e de Liquidação Financeira (Cetip) e os não registrados.
Quando o governo baixou a MP 1.528 prevendo a recompra, com vantagens, dos dois tipos de TDAs, beneficiou principalmente os não-cetipados. Eles não valiam quase nada e tiveram uma suspeita valorização nas semanas que antecederam a MP.
Pois bem, a Comissão concluiu que não houve nada de errado com os TDAs cetipados, onde ninguém disse que havia, e que, infelizmente, não conseguiu investigar os TDAs não-cetipados porque os envolvidos não colaboraram (e a Comissão não tinha poderes de forçá-los a colaborar). A Fazenda informa que deputados foram convidados a dar seu depoimento, mas declinaram.
Se alguém especulou, perdeu, porque o pagamento dos TDAs foi suspenso e retirado da MP. Perdeu dinheiro, mas manteve o anonimato.
Pastore e a máxi
Affonso Pastore reclama que, embora tenha identificado, há muito tempo, uma sobrevalorização cambial insustentável, nunca disse que a saída era, necessariamente, uma máxi. É verdade. O que a coluna de sexta-feira quis ressaltar é que o mercado associa o nome de Pastore ao de uma mudança na política cambial.

E-mail CelPinto@uol.com.br

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