São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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João da Silva ou Maria das Couves?

MARIO VITOR SANTOS

Na edição de sexta-feira passada, a Folha destacou, em foto na Primeira Página, os jurados do julgamento de Guilherme de Pádua, um dos réus do caso Daniella Perez.
Na foto, publicada em quatro colunas, era possível identificar, com razoável precisão, a fisionomia dos julgadores daquele que deve ficar marcado como o caso policial da década no Brasil.
A imagem da repórter fotográfica Rosane Marinho mostrava duas mulheres louras, cinco homens, um deles mulato, outro negro. Todos acompanhavam os depoimentos no tribunal do Rio.
Reportagem interna do jornalista Chico Santos, em frutífero esforço de apuração, trazia os nomes completos de cada um dos membros do júri, suas profissões, locais de trabalho, experiências em julgamentos e até mesmo o time de futebol de um deles.
O procedimento da Folha, a rigor, não significa novidade no Brasil e, em si, atende às normas vigentes do que se considera bom jornalismo. A composição do júri é tema de interesse, pois por ela pode-se ter uma idéia de sua seriedade, de suas inclinações gerais, o leitor pode estabelecer alguma identidade com os responsáveis por julgar.
Outros veículos de comunicação também deram evidência aos jurados. O próprio juiz leu os nomes em plenário. Não fez qualquer apelo para que não se publicassem suas identidades.
Além disso, a Constituição brasileira assegura amplo direito de divulgação de informações, o que talvez seja sua característica democrática mais importante. Isso não impede, porém, que os meios de comunicação se imponham restrições no uso desse direito, especialmente quando está em jogo a segurança de indivíduos, mais ainda quando esses indivíduos representam a sociedade no exercício de um outro direito democrático, a realização da Justiça.
Num julgamento de grande repercussão popular como o de um ator da TV Globo e sua mulher acusados de matar uma atriz da mesma emissora, em que a opinião pública, até pelo sensacionalismo da mídia, tende a se alinhar muito fortemente pela condenação dos réus, o jurado pode vir a temer pela sua segurança e de seus parentes, no eventualidade de decidir contra a expectativa geral.
Não ficam os jurados e suas famílias, quando são plenamente identificados na mídia, ainda mais expostos a pressões que podem ir de simples constrangimentos a violentas retaliações? Isso não facilita que o clima de linchamento dirigido aos réus e seus advogados se estenda também aos que têm a responsabilidade de decidir o veredicto?
Há países em que os jurados tradicionalmente permanecem incógnitos para o grande público, como se pôde ver no caso em que O.J. Simpson foi inocentado. Ao longo de vários meses, a imprensa americana restringiu-se a nomear os membros do júri apenas por números, além de fornecer indicações como idade, raça, sexo e profissão.
No Brasil, nem a legislação nem os costumes jornalísticos são tão rigorosos. Na Folha, normas internas consolidadas no "Novo Manual da Redação" estabelecem princípios que podem determinar a omissão de informações por parte do jornal em casos específicos.
O verbete "razões de segurança" admite que o jornal não divulgue informações que possam pôr em risco a segurança pública, de pessoa ou de empresa. O caso típico em que tal verbete se aplica é o de sequestro.
Ética é isso: com base em valores, em princípios, como o respeito à vida, ou à invulnerabilidade da Justiça, toma-se uma decisão racional, que pode implicar até a renúncia episódica ao exercício de outra prerrogativa.
No caso dos júris populares brasileiros, parece estar chegando a hora de se fazer uma reflexão que conduza à adoção voluntária de padrões mais estritos, em benefício da imagem de credibilidade que é fundamental aos meios de comunicação e também da absoluta isenção das decisões dos jurados.
E, de mais a mais, que interesse real tem o leitor de saber que o jurado tal se chama João da Silva ou Maria das Couves?

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