São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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Crime e vingança

LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O desenrolar do caso Daniella Perez, pelo clamor público que estimulou, em alguns instantes muito próximo da histeria, fez com que se confundissem os conceitos de vingança e de punição.
É absolutamente compreensível a dor que habita o coração de familiares e amigos das vítimas do crime de homicídio. Não importam, aos olhos de quem a sofre, as versões da defesa. É uma perda inestimável. Por mais severa que seja a pena aplicada, não há reparação subjetivamente satisfatória.
Por isso, o sentimento particular de impunidade, que, em maior ou menor grau, existe em qualquer canto do mundo. Desde que o poder público retirou das mãos da vítima a prerrogativa da punição, desde que a lei de talião foi revogada pelo princípio da racionalidade, haverá sempre uma sensação de vazio que os juízes serão incapazes de preencher.
O que mais impressiona no caso Daniella Perez é a terrível difusão desse sentimento. Até mesmo ONGs e pessoas dedicadas a defender o que se convencionou chamar de Direitos Humanos protestam contra valores políticos preciosos e relacionados, por exemplo, como o direito de defesa.
Assim, o contraditório livre entre a versão do acusador e a versão do acusado parece uma infame perda de tempo. A figura do advogado, como na época da Inquisição, passa a ser tratada como a de um ser abjeto, útil apenas para reunir mentiras e procrastinar. O Código Penal se transforma em instrumento de proteção de criminosos. Dez, 15 ou 20 anos de cárcere e o sofrimento moral deles decorrentes são como nada. A perspectiva de libertação, ainda que longínqua, gera perplexidade. O regime prisional progressivo, que permite ao condenado obter benefícios ao longo dos tempos, surge como um escândalo intolerável.
Na realidade, não importa qual das três versões do caso Daniella Perez (a da acusação, a de Guilherme ou a de Paula) é verdadeira. A Justiça acerta e erra. Importante é estar atento ao fato de que a hipótese do erro não é desprezível.
Independentemente do resultado do julgamento do Rio de Janeiro, o que se verifica é o visível desprestígio de valores essenciais e que procuram afastar do processo o espírito de vingança, naturalmente instalado no pensamento dos ofendidos.
O amparo e a solidariedade às vítimas dos atos de violência são atitudes nobres. Rigor na punição de determinados delitos é conveniente. Conter aqueles que ameaçam a segurança das pessoas em penitenciárias ainda é necessário. Mas transformar as instituições públicas de modo a satisfazer o sentimento das vítimas, além de demagogia, é um grave retrocesso.

Luís Francisco Carvalho Filho é advogado criminalista.

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