São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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Nem todos os gatos são pardos

LUIZ GONZAGA BELLUZZO
"NÃO IMPORTA A COR DO GATO, MAS SE É

ou não capaz de caçar ratos." Deng Xiaoping
"Nas telas dos radares da economia global, o objeto que chama mais atenção, por sua trajetória brilhante, é a economia chinesa." Assim começa o último artigo de Chalmers Johnson, intitulado "Nacionalismo e Mercado: A China como Superpotência".
Johnson é presidente do importante Japan Policy Research Institute e autor bastante conhecido de mais de uma dúzia de livros sobre os países asiáticos.
"Nacionalismo e Mercado" sustenta a seguinte tese central: os EUA e o Ocidente estão diante de um novo Japão. Um tigre de dimensão continental e com dentes atômicos.
É perigoso, argumenta Johnson, continuar fazendo vista grossa diante das agressivas práticas mercantilistas e das desapiedadas formas de exploração do trabalho barato adotadas pelos chineses para dançar a música dos mercados globalizados.
Mas a experiência também tem demonstrado que não é prudente tentar aplacar o ímpeto do mamute com garras de felino com a imposição de sanções ou brandindo ameaças. O bicho é conhecido por sua capacidade de resposta rápida e, muitas vezes, mortal. Há no "establishment" militar americano quem defenda a hipótese de que a guerra com a China pode ser uma fria.
Os chineses vêm executando -à sombra do seu poder militar- políticas industriais e comerciais de corte nacionalista, protecionista e descaradamente comandadas pela ação autoritária do Estado.
Escreve Chalmers Johnson: "o maior déficit comercial americano é com a China, graças em parte à política nacionalista de comércio exterior que combina o mercantilismo japonês com o autoritarismo. A China continua a bloquear o acesso a seu mercado e a utilizar mão-de-obra barata, inclusive crianças e prisioneiros, o que enfraquece o poder de barganha dos trabalhadores."
Não bastasse isso, os chineses usam e abusam das políticas industriais, de normas discriminatórias destinadas a favorecer as empresas nacionais em detrimento das estrangeiras. Apóiam abertamente a concentração e a fusão, usando grandes estatais como núcleos destinados a coordenar esse processo de constituição de conglomerados que, no futuro próximo, devem emular os "keyretsy" japoneses ou os "chaebol" da Coréia do Sul.
Uma punhalada nas costas dos que rezam pela cartilha da competitividade conquistada através da suave e benfazeja disciplina dos mercados. Os chineses parecem não acreditar na eficiência estática e muito menos dinâmica da mão invisível. Para eles, as verdadeiras leis do mercado se exprimem por meio das normas despóticas, truculentas e, muitas vezes, arbitrárias do fascinante jogo da competitividade global.
Isso, diga-se, é motivo de escândalo para os intelectuais e políticos esquerdistas americanos.
Os resultados até agora confirmam as suspeitas dos herdeiros de Mao sobre o capitalismo realmente existente: a economia vem apresentando, ininterruptamente, desde o início da década de 80, taxas de crescimento elevadíssimas (entre 9% a 12% ao ano).
A China vem sustentando superávits crescentes com Japão, EUA (mais de US$ 34 bilhões em 1996) e Europa graças à combinação "virtuosa" de três fatores: salários baixos, rápida incorporação do progresso tecnológico nos setores mais dinâmicos e câmbio extremamente subvalorizado.
Os métodos autoritários que levaram a esses resultados formidáveis não são, evidentemente, dignos de recomendação. Mas é impossível resistir à constatação de que a China enfrenta os desafios da globalização com concepções e objetivos que desmentem a propalada desimportância do Estado-nação, das políticas nacionais e internacionais de industrialização e desenvolvimento.
Por aqui, neste Brasil varonil, a paixão nacional é discutir a cor dos gatos. Os "donos do pedaço" têm absoluta certeza -do alto de sua mão com cinco dedos- de que todos são pardos.

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