São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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Os perigos que vêm do céu

RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em todas as mitologias encontramos histórias de estrelas que caíram do céu. Tal fato não era visto como um perigo iminente até os últimos anos, quando se iniciaram os estudos sobre os asteróides rasantes à Terra. Os últimos novos alertas sobre as ameaças do céu estão fazendo com que o homem estude com mais atenção a autenticidade de algumas lendas antigas sobre objetos que caíram do céu e provocaram destruição.
As ameaças existem. Elas vêm do do céu como uma advertência de Hermes, o mensageiro do Olimpo, nome muito bem dado pelos astrônomos ao primeiro asteróide rasante dos tempos modernos.
No próximo milênio estaremos ameaçados por catástrofes de origens climáticas e extraterrestres. Dentre eles devemos citar o aquecimento da Terra (aumento do efeito estufa) provocado pelo aumento de dióxido de carbono na atmosfera; a destruição da camada de ozônio; as alterações da atividade do Sol; a inversão do campo geomagnético; os impactos de asteróides rasantes à Terra; a explosão de uma estrela supernova; e finalmente o aparecimento de uma nuvem de poeira cósmica que poderá provocar um longo inverno e/ou uma nova era glacial.
Efeito estufa
Há pelo menos 8.000 anos, ou melhor depois da descoberta da agricultura, o homem vem intervindo na biosfera. Mas nos últimos decênios a situação se tornou preocupante. Em 1957, no Observatório de Meuna Lea, no Havaí (EUA), uma série de medidas, muito precisas, mostrou que a concentração de gás carbônico na atmosfera era de 318 partes por um milhão (318 ppm) de volume.
Hoje, segundo os resultados de diversas estações distribuídas pelo globo, esta contração ultrapassa 350 ppm. É indiscutível que nos últimos 30 anos vem ocorrendo um aumento significativo e bastante regular da proporção de gás carbônico na atmosfera.
Ecologia cósmica
A pesquisa ecológica é uma ação conjunta de diversos setores da ciência, desde o biólogo até o astrônomo, passando pelos geofísicos e pelos meteorologistas. Não se faz ecologia com um pensamento imediatista, procurando solucionar os problemas de degradação do ambiente no tempo presente. A ecologia volta-se, antes de tudo, para o futuro. E o futuro significa uma visão ampla de todos os problemas que envolvem a vida do homem no Universo, onde seguramente não somos os únicos.
Na verdade, a ecologia é uma atividade pluridisciplinar de amplitude universal; daí a importância do conceito de ecologia cósmica que procuramos apresentar ao discutir problemas que ameaçam o ambiente numa escala espacial.
Parafraseando Claude Lévi-Strauss, que definiu o antropólogo como o astrônomo das ciências humanas, o ecologista francês Jean-Paul Deleage, em sua "Histoire de l'Ecologie" (1991), sugeriu que o ecologista é o astrônomo das ciências da vida e de suas relações com o ambiente.
A idéia da ecologia esteve latente, durante o século 19, na economia da natureza do naturalista sueco Carl von Linné (1707-1778); na biogeografia do naturalista alemão Alexandre Humboldt (1769-1859); no evolucionismo do explorador e biólogo inglês Charles Darwin (1809-1882), assim como na agroquímica do químico e agrônomo francês Jean-Baptiste Boussingault (1842-1929). Todos esses conceitos surgiram antes do termo ecologia ter sido criado, pelo biólogo alemão Ernst Haeckel (1834-1919), em 1866, com uma definição bastante avançada para a sua época: a ecologia como "a ciência das relações dos organismos com o mundo exterior".
Apesar da antiguidade do nome, os procedimentos básicos da moderna ecologia são bem posteriores e, na realidade, devem muito a várias outras ciências.
Na verdade, uma ciência define-se de início pelo seu objeto e pelo método de estudo. O objeto da ecologia é constituído pelos ecossistemas. Isto é, pelo subconjunto do mundo natural que apresenta uma certa unidade funcional: um lago, uma praia, uma floresta, um estuário e, finalmente, a Terra com sua biosfera. E por que não o universo? Não será o conceito haeckelieno de ecologia uma antecipação da idéia da ecologia cósmica?
Com relação ao método, nada melhor para evocá-lo do que a designação de macroscópio. Na verdade, esse instrumento imaginário é uma criação dos ecologistas norte-americanos. Tem sua origem etimológica em uma idéia de oposição ao microscópio, levando em consideração a escala observacional de natureza que constitui um privilégio dos ecologistas. Quer dizer, a visão macroscópica da natureza que só se tornou uma realidade com o advento dos satélites artificiais. Esses permitiram uma visão global do planeta até então impossível. No início, recorreu-se aos satélites para fins militares. Três anos e meio após o primeiro Sputnik, em 1961, os norte-americanos lançaram o primeiro satélite espião, Midas 2, que permitiu simultaneamente solucionar o problema da violação do espaço aéreo e da fragilidade dos aviões espiões utilizados anteriormente. O desenvolvimento dos processos de teledetecção espacial, estimulados por fins militares, deu ao homem um meio de estudar o ambiente do modo mais global possível.
Além das questões relativas à diversidade das espécies presentes no ecossistema, aos ciclos de sua existência, à estabilidade de seus números, a ecologia ocupa-se desde o estudo do indivíduo no meio (autoecologia) até a biosfera (biogeoquímica).
Foi essa globalidade de visão que me conduziu à idéia da ecologia cósmica, estimulado, sem dúvida, pelo processo de luta dos ecologistas, de combate permanente com hipóteses às vezes contrárias ao dogmatismo científico.
A ecologia passou de uma etapa generalista, durante o século 19, a uma etapa de diversificação no início do século atual. Depois dos anos 50 atingiu uma concepção sistemática e unitária cujo objeto de estudo passou do ecossistema para a biosfera, que sofre influência do meio interplanetário vizinho e até do meio intergaláctico. A influência é até intercósmica, quando são tratadas as modificações da atmosfera por efeitos de origem externa à biosfera, como a atividade solar e, muito além, da própria poluição das nuvens cósmicas que poderão nos atingir, produzindo um longo e intenso inverno na biosfera terrestre.

Esse texto faz parte do volume "O Livro da Profecia - O Brasil no Terceiro Milênio", que está sendo lançado pelo Senado Federal. No livro, intelectuais brasileiros dão seu depoimento sobre o que deve ocorrer no Brasil das próximas décadas.

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