São Paulo, segunda-feira, 27 de janeiro de 1997
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A favor da reeleição

JOÃO SAYAD
NÃO CONCORDO COM:

a) a política cambial, que não sei como resolver. A solução óbvia é perigosa e desagradável;
b) a abertura comercial rápida e desajeitada;
c) os juros altos necessários a atrair dólares;
d) a consequência desastrosa de a, b e c sobre a indústria, agricultura e as empresas nacionais, cujo desaparecimento lastimo;
e) a consequência desastrosa de a, b, c e d sobre o emprego e a taxa de crescimento da economia;
f) a pequenez, modéstia e irrelevância dos programas de gastos e reformas nas áreas de educação, saúde, saneamento básico, segurança;
g) a prioridade à educação primária em detrimento da superior;
h) a inexistência de qualquer programa, plano, ação ou reforma na área urbana.
Fico desanimado depois de dois anos e meio de trégua inflacionária que não estão sendo aproveitados nem para crescimento econômico nem para investimentos sociais relevantes.
Entretanto, sou a favor da reeleição. E não porque seja imprescindível para a continuidade do Plano Real.
Sou a favor porque o presidente conseguiu organizar um apoio majoritário para o seu governo, o que é uma tarefa quase impossível no Brasil.
Não porque tenhamos divisões insuperáveis entre ricos e pobres, brancos e negros, católicos e evangélicos ou muçulmanos e judeus.
O apoio majoritário no Brasil é muito difícil exatamente porque não temos grupos de interesses de suficiente abrangência para que possam ser chamados de públicos, ou quando temos, usam um discurso ambíguo e incompreensível.
As indústrias do Sudeste, por exemplo, estão sendo destruídas silenciosamente. Os capitães da indústria, bisnetos de italianos, alemães, judeus e turcos corajosos e com espírito de aventura vão desaparecendo, fazendo apenas declarações contra o déficit público e contra ao Estado como conceito, defendendo oficialmente as políticas que resultaram na própria destruição.
A agricultura vende frangos e soja baratinho, mas juntamente com os industriais, reclama apenas contra o déficit público e a invasão de terras.
O governo consegue se defender das críticas argumentando simplesmente que "o problema é só de São Paulo" e que toda a indústria do ABC, do interior, e do Sul do país será substituída por confecções do Ceará e parques temáticos no Nordeste.
O PT se consome em discussões internas que podem ser resumidas como debate entre defensores de idéias velhas e defensores de idéias novas que destroem o sindicalismo, o emprego formal e a indústria nacional.
O partido anunciou a discussão de nova linha programática. Curioso e animado, perguntei qual seria a nova linha e ouvi resposta desanimadora: o PT não terá candidato a presidência do próprio partido. Só isso.
O PMDB sofre as mazelas de ter sido partido majoritário e ter se convertido em saco de gatos. O PSDB, a social-democracia brasileira, assume o governo e aumenta significativamente o número de participantes da legenda, sendo hoje, majoritariamente de direita. Assim, o PMDB de hoje é o PSDB de amanhã.
Apenas o PFL mantém a linha programática de sempre, ou seja, pertencer e apoiar o governo, e, por isso, não sofre das dificuldades de atrair e perder correligionários quando está no governo. O PPB é o PSDB do PFL com influências personalistas.
É um país fragmentado, composto de indivíduos isolados, rivais, preocupados no máximo com a segurança da sua rua, mas que muitas vezes não conseguem nem se reunir e pagar os investimentos necessários para colocar uma guarita e pagar o guarda noturno que garanta a própria segurança.
Isto tudo justifica a afirmação bem-humorada do presidente: "o presidente Clinton tem uma oposição majoritária organizada enquanto eu tenho o apoio de maioria desorganizada".
Portanto, como ser contra a reeleição? Não há outro candidato. Não existem outras idéias. O país é incompreensível para matemáticos, engenheiros e americanos. Tudo é ambíguo e obscuro. Só sociólogos e economistas podem desvendar nossos segredos: por aqui, tudo é e não é.
Somos sociais democratas de direita, com a desculpa de que isto também está acontecendo na Europa. Sou a favor da reeleição porque não sou contra.

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