São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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Mundo brasileiro

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Ok, o mundo está mudando, vive-se uma nova fase da expansão econômica, avanços da técnica facilitam a aproximação de povos e civilizações, países remodelam os princípios do Estado-Nação e organizam-se em blocos, uma massa impressionante de informação circula instantaneamente em escala planetária e aflora a consciência de que todos, de certa forma, vivemos num único lugar -essa esfera suspensa no nada, que as primeiras fotografias feitas do espaço imprimiram em nossas memórias.
Pois nesse lugar, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o número de pessoas que "vivem" com menos de um dólar por dia triplicou nos últimos 50 anos. As riquezas mundiais, nesse período, cresceram sete vezes -mas os 20% mais pobres detêm só 1,1% do tutu sob a face da Terra.
A existência dessa massa que se convencionou chamar de "excluídos" é um desafio diante do qual nem mesmo os mais otimistas arautos da nova ordem global sabem o que dizer.
Mike Featherstone, professor de sociologia e comunicações na universidade inglesa Nottingham Trent, autor de trabalhos sobre pós-modernidade e globalização, tem uma imagem, a nós muito familiar, para descrever o panorama do desequilíbrio: o "abrasileiramento do mundo".
Em um dos ensaios de seu "O Desmanche da Cultura" (Studio Nobel), Featherstone, ao rebater a idéia simplificadora de que a nova expansão capitalista produz automaticamente a americanização do planeta, elege o Brasil como um dos modelos para compreender a globalização em curso -que geraria um "processo dual de zoneamento e sincretismo cultural".
Se nós achamos que São Paulo está se americanizando, Featherstone acredita que Los Angeles está se apaulistando: "Uma cidade dividida por zonas, altamente segregada, com seu núcleo fortificado e seus condomínios de apartamentos de classe média e classe alta situados bem próximos dele, mas ainda assim separados e protegidos do contato com guetos étnicos da classe baixa e as zonas do crime e da desordem".
A imagem do Brasil como microcosmo da desigualdade global não é nova -aqui mesmo sempre falou-se em dualidades, dos dois Brasis à Belíndia.
Para Featherstone, no entanto, o "abrasileiramento" não diz respeito apenas às discrepâncias econômicas, mas ao modo como elas interagem num mesmo espaço e se processam na organização social e na cultura. O "modelo" Brasil poderia ajudar a entender um mundo cada vez mais próximo e exposto à diversidade e à diferença social.
Brasileiros, portanto, orgulhai-vos. O planeta marcha a vossa imagem e semelhança.

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