São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Seringueiros passam a explorar madeiras

ALTINO MACHADO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ACRELÂNDIA (AC)

Seringueiros, símbolos da preservação das florestas da Amazônia, decidiram trocar o extrativismo da borracha para ingressar no mercado internacional de madeiras tropicais.
A retirada do primeiro lote de madeira começou na semana retrasada no Projeto de Assentamento Extrativista Porto Dias, com 22 mil hectares, em Acrelândia (160 km de Rio Branco-AC), na fronteira com a Bolívia.
O manejo comunitário (sem devastação da floresta) em Porto Dias é uma experiência inédita no país. Está estimado em US$ 460 mil. Trata-se de um projeto do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, financiado pelo G-7 (grupo dos sete países mais ricos), que já destinou US$ 210 mil à experiência.
O manejo de uso múltiplo da floresta foi concebido pelo CTA (Centro dos Trabalhadores da Amazônia), organização não-governamental da qual Chico Mendes foi um dos fundadores. O uso múltiplo inclui, além da madeira, a exploração de óleos, resinas e sementes encontrados na floresta.
Nos próximos 30 anos, dez famílias de seringueiros vão explorar uma área de 3.000 hectares, retirando por ano 1.000 m3 de madeiras de espécies diversas. Até resíduos dos galhos com diâmetro superior a 20 cm serão aproveitados.
A madeira será beneficiada e comercializada junto com objetos confeccionados em uma serraria (chamada de usina de artesanato industrial) a ser montada.
Chico Mendes
O ingresso dos seringueiros na exploração madeireira é o passo mais ousado desde o assassinato do ecologista Chico Mendes, ocorrido há nove anos em Xapuri (AC).
Fustigados pelo baixo preço da borracha (R$ 0,60 o quilo), eles querem provar que a exploração manejada de um hectare de floresta rende mais dinheiro que a mesma área ocupada com gado ou culturas de curto ciclo.
O m3 de madeira da Amazônia varia de US$ 3,70 a US$ 2.921,00, dependendo de quem vende e do valor que se agrega ao produto com seu beneficiamento (como, por exemplo, transformar a tora em prancha de madeira). No Acre, o m3 das pranchas é vendido, em média, a R$ 150,00. Com a exploração, os seringueiros vão arrecadar pelo menos R$ 150 mil ao ano.
"Meu pai contava que o seringal Porto Dias chegava a produzir 30 t de borracha", disse o seringueiro Nílton Pereira de Souza. A produção mencionada, incapaz de competir com o preço da borracha do sudeste asiático, vale hoje R$ 18 mil, mas não existe comprador.
Até abril do próximo ano, a madeira retirada pelos seringueiros será oferecida ao mercado em leilão eletrônico do Banco do Brasil.
A Associação dos Seringueiros de Porto Dias pleiteia na ITTO (Organização Internacional de Madeiras Tropicais), sediada em Tóquio, a aprovação de um projeto de US$ 160 mil para montar a usina de artesanato industrial.
Nos próximos três anos, os seringueiros esperam aumentar em pelo menos 25% o preço da madeira de Porto Dias.
Segundo eles, isso pode ocorrer porque os países membros da ITTO são signatários do compromisso de que, a partir do ano 2000, o mercado absorverá apenas a madeira com certificado de origem, assegurando que o produto é oriundo de área manejada, sem devastação de florestas.
O CTA, fundado em 83 por Chico Mendes e pesquisadores ligados ao PT, adequou projetos de educação e saúde à realidade das reservas extrativistas. Treina 54 professores leigos seringueiros, produz material didático e supervisiona 37 escolas no interior da floresta.

Texto Anterior: Mãe afasta criança da tentação da comida
Próximo Texto: 'A floresta é rica como um banco'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.