São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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Um gasto discutível

CELSO PINTO

O governo federal comprometeu-se a usar o dinheiro das privatizações apenas para abater dívida interna, o que faz todo sentido. Já no caso do dinheiro das concessões, decidiu usá-lo para engrossar os gastos correntes do governo, o que é algo discutível.
É um dinheiro mais do que significativo. Considerando apenas as concessões de telefonia e o fato de que apenas 40% do valor será pago neste ano, o total deverá chegar perto de R$ 3 bilhões.
A concessão é um direito de uso, o "aluguel" de um ativo. Vencido o prazo, o governo continua com o bem e pode refazer a concessão. Portanto, não é idêntico à venda de uma empresa via privatização.
Como a venda acontece apenas uma vez, só faz sentido usar o dinheiro para abater dívidas. Caso contrário, como diria o professor Mário Simonsen, seria como alguém endividado vender sua casa e gastar o dinheiro numa viagem à Europa.
E no caso da concessão? O próprio FMI aceita a princípio do uso de recursos gerados por concessões para gastos correntes, via orçamento, baseado na idéia de que eles são renováveis.
No caso das concessões brasileiras, no entanto, a discussão merece ser aprofundada, como sugere uma publicação do Banco Garantia. Em primeiro lugar, porque as concessões são por prazos longos, 15 anos, portanto a idéia de que se trata de um dinheiro renovável é discutível.
Depois, porque ao longo deste período, mudanças tecnológicas, numa área tão dinâmica quanto a de telecomunicações, podem alterar radicalmente o valor de uma concessão. A telefonia via satélites em órbita baixa, por exemplo, é muito mais interessante, por sua mobilidade, do que a telefonia celular convencional, mas muito mais cura. Em alguns anos, se ela se tornar mais barata, quanto valerá a concessão para a telefonia celular?
Mesmo que o dinheiro extra das concessões ajude a melhorar o resultado fiscal, como deve acontecer este ano, a percepção geral é que não se trata de uma melhora definitiva, duradoura, mas temporária.
Outro problema nesta área pode ser levantado a partir do caso, publicado pela Folha, do governador de Rondônia, Valdir Raupp, que quer se eleger gastando o dinheiro da venda da empresa elétrica do Estado. O BNDES já fez programas com 14 Estados onde garante a privatização futura das empresas elétricas locais em troca de um adiantamento.
O programa foi criticado, de início, pelo temor que os Estados gastassem o dinheiro e jamais vendessem suas empresas. Na prática, as privatizações estão ocorrendo, os ativos se valorizaram e o BNDES acabou lucrando.
Ninguém pode impedir, contudo, que um governador como Raupp pegue o dinheiro e, em vez de abater dívidas, faça gastos eleitoreiros. Os programas de ajuste assinados pelos Estados com o governo federal criam restrições ao aumento do endividamento. No entanto, se a venda de uma empresa gera um dinheiro extra, não comprometido, e o governador do Estado decide torrá-lo para ser reeleito, não há nada a fazer.
Quando se considera que as privatizações estaduais vão render US$ 10,5 bilhões neste ano e US$ 14,8 bilhões no próximo, como prevê o Citibank, dá para sentir o tamanho da tentação. Raupp pode ter sido apenas o primeiro.
Má companhia
O Paquistão desvalorizou em 8,5% sua moeda nesta semana, numa tentativa de melhorar suas contas externas. Se uniu à Tailândia, Malásia, Filipinas, Polônia e República Tcheca. Todos tinham déficits externos muito elevados e todos acabaram obrigados a desvalorizar sua moeda.
Numa lista de 46 países listados pelo "World Economic Outlook", do FMI, o único país que deverá ter um déficit em conta corrente superior ao do Brasil em 98 e que não sofreu uma desvalorização é a Nova Zelândia. Isso não quer dizer que o déficit externo alto, necessariamente, vai gerar uma brusca de desvalorização da moeda brasileira. Indica apenas que o Brasil ficou numa posição desconfortável e terá que se esforçar para sair dela.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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