São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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A diplomacia da música

LUÍS NASSIF

Quando Carlos Gomes rumou para a Europa, quase 150 anos atrás, uma das óperas de maior sucesso em Paris tinha como destaque um personagem brasileiro. Era um malandro, que enriquecia à custa de golpes no erário, ia a Paris, gastava tudo, voltava ao Brasil, aplicava mais um golpe e retornava às lambanças parisienses.
Ao deixar a Itália, o talento de Gomes conseguiu diluir um pouco esse estereótipo moldado pela privatização do Estado brasileiro mas não muito.
Nos próximos anos, as enciclopédias que pretenderem um balanço do século não terão alterado muito essa rota.
No verbete corrupção, o Brasil será apontado como um dos campeões do século. No verbete futebol, será considerado o país que, da segunda metade do século em diante, produziu o melhor futebol -dentro de campo.
No verbete música, será tratado como a nação que, dos anos 50 em diante, criou a melhor e mais variada música popular do planeta.
Na semana passada, ao reconhecer o mérito de Santos Dumont e Portinari, o presidente americano Bill Clinton pretendia um afago na bugrada.
Ao citar Tom Jobim e o choro, no entanto, pela primeira vez o saxofonista Bill Clinton demonstrou sinceridade.
E não apenas ele. A visita do presidente Fernando Henrique Cardoso aos Estados Unidos rendeu escassas linhas nos principais jornais.
Organizada pela embaixada brasileira em Washington, o show em homenagem ao compositor Tom Jobim resultou em páginas inteiras e constituiu-se em um dos maiores feitos recentes da diplomacia brasileira.
Criativo e íntegro
Trabalhar a imagem internacional do Brasil é o maior desafio do Itamarati.
Já há consenso, em nível mundial, sobre as potencialidades da economia brasileira. Mas persiste a imagem de uma elite corrupta e de um povo indisciplinado e folgado.
O único setor onde o Brasil é absolutamente íntegro, moderno, sofisticado, criativo e universal é na música.
Os rapazes da Bossa Nova foram a primeira demonstração, ao mundo, da existência de uma classe média brasileira competente e cosmopolita. O samba, a exaltação da criatividade e da alegria do povo brasileiro. O choro, a prova da sofisticação e do senso de detalhe do músico brasileiro.
Os maiores festivais de música do planeta sempre têm músicos brasileiros como atração principal. As principais lojas de CD dispõem de um setor completo apenas para a música brasileira.
Ora, qualquer trabalho diplomático consistente tem que partir de um tema forte, que seja a própria síntese do país.
A diplomacia americana trabalha decisivamente em torno do chamado modo de vida nacional. A francesa é pródiga em enaltecer a cultura humanista nacional. A japonesa desenvolve seu trabalho em cima da alta tecnologia nacional.
Qual o tema básico do trabalho diplomático brasileiro? A rigor, não existe.
Assim como já foram constituídas várias comissões e conselhos para tratar de temas da economia, seria oportuno que, no âmbito da Presidência, fosse criada uma comissão -constituída por representantes do Itamarati e de empresas brasileiras que operam no exterior- incumbida de pensar essa função da música como elemento central do marketing Brasil e de agregação das diversas comunidades brasileiras existentes no mundo.
Não apenas porque é o que de melhor o Brasil produziu no século. Mas porque é o próprio símbolo da capacidade brasileira para enfrentar a globalização.
Jazz e globalização
Nos anos 20 e 30, quando o jazz emergiu como a grande música popular da época, intelectuais previam o fim da música de um país que mal havia se constituído em nação. Sem intelectualismos superficiais, sem cultura erudita e sem complexos, os músicos receberam com naturalidade a nova música, como se fosse uma nova tecnologia, que precisaria ser entendida, aprendida e adaptada -sem perder de vista as raízes nacionais.
De posse da nova técnica, já nos anos 20, Pixinguinha revolucionava o choro. Nos anos 30, as primeiras orquestras passaram a disseminar o som brasileiro pelo mundo. Nos anos 40, o choro, o samba exaltação e o violão brasileiro ganhavam os primeiros destaques internacionais. Nos 50, a explosão da Bossa Nova colocava o país no primeiro time da música internacional. Dos anos 60 em diante, o país se tornou absoluto, dono da melhor e mais sofisticada música do planeta.
Essa é a bandeira a ser levada a todas as empresas, que hoje enfrentam o desafio da globalização.
Banco do Brasil
Ao eleger a música como o carro-chefe de suas campanhas, o Banco do Brasil deu o acorde inicial. Falta o governo acordar como um todo.

Email: lnassif@uol.com.br

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