São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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A pedagogia do prazer

GILBERTO DIMENSTEIN

A Faculdade de Medicina da Universidade da Pensilvânia informa que fazer sexo três vezes por semana equivale a correr, num ano, 100 km -o suficiente para queimar 7.500 calorias.
Munidos com tabelas e gráficos, os pesquisadores daquela faculdade sustentam que o sexo exerce efeitos semelhantes a andar, correr ou nadar.
Oxigena as células, aumenta o nível de testosterona (bom para o fortalecimento dos músculos e ossos) e reduz o colesterol, inimigo do coração.
As mulheres são favorecidas com aumento da quantidade de hormônios protetores do coração. Não é só.
Cientistas revelam que o sexo ajuda a combater artrite e até a prevenir dores de cabeça. Sem contar que o efeito relaxante reduz o estresse.
Essas são algumas das pesquisas incluídas em reportagem da mais recente edição da revista "Saúde do Homem", a principal publicação masculina do país.
É apenas mais um detalhe de um movimento científico que ganha corpo nos EUA, sustentando que o prazer é bom para saúde.
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Nesses últimos meses, os cientistas viram suas pesquisas mudar políticas públicas, baseadas na desconfiança ou ojeriza ao prazer físico, fonte de "pecado" -é um dos pilares de uma sociedade puritana como os EUA.
A ojeriza, revigorada pela Aids, fez um jornalista -David Shaw, do "Los Angeles Times"- escrever livro sustentando a idéia de que o país sofria uma conspiração contra o prazer. É uma onda favorecida pela desinformação ou sensacionalismo dos meios de comunicação.
Essa "conspiração" partiria de uma suposição: tudo que produzisse prazer no corpo gerava doença. Nenhum alimento com sabor poderia estar livre de ingredientes do mal. Câncer e ataque cardíacos, na certa.
Sexo conduziria à Aids ou à gravidez precoce. Daí as campanhas milionárias pedindo aos jovens total abstinência.
Os jornais se empanturram de manchetes de abusos sexuais no trabalho ou nas universidades. Crianças são punidas por um beijo inofensivo na escola.
A imprensa publica, segundo ele, estatísticas histéricas sobre bebidas ou drogas.
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Amparada em boa parte por radicais religiosos, feministas e médicos, a histeria moralista começa a ceder e atinge um ponto de equilíbrio.
O próprio governo federal recomendou como saudável o consumo de três copos de vinho por dia durante as refeições.
Todas as pesquisas estavam mostrando relação entre saúde do coração e ingestão moderada de bebidas. Basta ver a idade de pessoas em certas regiões da Itália e França.
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Outro bom prazer da vida -tomar um café- foi reabilitado cientificamente. Por anos, corria a suspeita de que café produzia câncer. Mito desmontado.
Provaram que o chocolate exerce efeito positivo em pessoas debilitadas psicologicamente.
Descobriram até efeitos benéficos na manteiga desde que consumida com parcimônia. Melhor comida para o coração? Salmão.
Foi nos laboratórios americanos que a maconha ganhou credibilidade medicinal e acabou praticamente legalizada na Califórnia; a tendência é se espalhar para o país.
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Graças aos trabalhos sobre o efeito devastador do estresse saíram da marginalidade terapias alternativas como massagens, relaxamento, banhos e ioga.
As próprias empresas estimulam seus funcionários a manter uma vida mais calma e relaxada para que mantenham a produtividade. E se gaste menos dinheiro, claro, com assistência médica.
Relevante, de fato, é que o estresse está por trás de uma das mais importantes tendências americanos, batizada de "simplicidade voluntária".
Trabalhar menos -e também ganhar menos- para se viver melhor, mais próximo dos amigos e dos familiares.
Não é um movimento marginal. É gente que usa terno e gravata, mas pergunta por que, afinal, valeria a pena trocar o carro todos os anos se o preço é não ver os filhos ou raramente bater papo com os amigos.
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PS - Pelas proporções que está assumindo o possível impacto nos padrões de consumo, as empresas de marketing e publicidade contrataram psicólogos e sociólogos para estudar o movimento de "simplicidade voluntária". A previsão de que vai virar uma tendência mundial, influenciando não só as empresas mas o formato das cidades, uma série de instituições como a escola. Separei um texto, ainda em inglês, no seguinte endereço: www.aprendiz.com/.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail:gdimen@aol.com

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