São Paulo, domingo, 19 de outubro de 1997
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'Democracia' egípcia reprime imprensa

The Independent
de Londres

ROBERT FISK
NO CAIRO

O governo egípcio lançou uma inusitada campanha contra a imprensa, processando jornalistas por artigos que não chegaram a ser publicados e proibindo correspondentes estrangeiros de reportar ataques a turistas -tudo isso num país que se diz democrático.
"Encontre-me no tribunal", disse Magdi Hussein. E, de fato, quando compareci ao tribunal, lá estava o editor do jornal "Al Chaab". Ele está apelando contra um processo movido por Alaa al Alfi, filho do ministro do Interior, a quem o jornal acusou de negar-se a pagar a conta de um hotel no Cairo e insultar os funcionários quando pediram o pagamento.
Hussein passa boa parte de seu tempo acusando as autoridades de corrupção. Outros jornalistas do Cairo fazem o mesmo.
Hussein aguarda julgamento por seis outras acusações, incluindo outro processo por difamação movido pelo próprio ministro Al Alfi, a quem Hussein acusa de proteger traficantes de drogas. Quatro outros jornalistas e um cartunista do jornal foram arrolados no processo. O ministro nega as acusações e o processo se arrasta sem solução -aliás, como tudo no Egito.
No mês passado, um tribunal do Cairo considerou seis jornalistas do "Acharq al Ausat" culpados de difamar os dois filhos do presidente Hosni Mubarak por afirmar que eles usaram o nome do pai para facilitar suas transações comerciais. Cinco dos jornalistas conseguiram evitar a prisão por se encontrarem fora do país, mas o sexto foi condenado a seis meses de cadeia.
O estranho é que o suposto artigo difamatório não chegou a ser publicado. O processo foi movido com base num anúncio, publicado no jornal, de um artigo que sairia na revista ligada a ele, a "Al Jedida". Foi só depois de o "Acharq" destruir 120 mil exemplares da revista, demitir dois jornalistas e divulgar um pedido de desculpas que os jornalistas foram processados. Depois disso, o jornal fechou sua sucursal no Cairo.
Enquanto isso, promotores militares proibiram jornalistas de escrever sobre o atentado do mês passado em que morreram nove turistas alemães diante do Museu Nacional do Cairo. O Ministério do Turismo disse que os jornalistas não têm o direito de questionar a versão oficial do incidente, segundo a qual o ataque foi feito por dois pistoleiros, em lugar de cinco, e não poderia ser qualificado de operação terrorista islâmica porque o pistoleiro principal, Saber abu el-Ulla, é louco. O fato de que ele gritou "Allahu Akbar" ("Deus é grande") quando incendiou o ônibus foi ignorado.
Ainda mais constrangedor foi o fato de que El-Ulla foi responsável pelas mortes de dois americanos e um francês em 1993 (também aos gritos de "Allahu Akbar"), atribuídas a sua suposta loucura. É claro que o governo teme que a indústria turística entre em colapso se o massacre dos alemães for visto como tendo tido motivação política. Vem daí a proibição à divulgação de versões diferentes da oficial. Até este artigo viola a lei egípcia.
As agências internacionais de notícias e as emissoras de TV estrangeiras também temem que, se desobedecerem a censura, o governo possa fechar suas sucursais no país. Assim, suas sucursais no Cairo viraram reféns, para impedir que seus jornalistas divulguem o que realmente aconteceu.
"É muito difícil ter uma imprensa livre sem democracia real", diz Magdi Hussein. "Há uma linha vermelha que os jornalistas não podem cruzar."

Tradução de Clara Allain

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