São Paulo, terça-feira, 21 de outubro de 1997
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MISÉRIA NA RUA E EM CASA

A expressão "menor infrator" costuma designar jovens que vivem em estado de completo abandono, não têm vínculos familiares e são prática ou potencialmente usuários de drogas, trombadinhas ou pequenos delinquentes.
Essa realidade é particularmente visível em cidades como São Paulo, onde basta a qualquer cidadão sair de casa para se deparar com algumas dezenas desses meninos espalhados pelas ruas, pedindo esmolas, cometendo pequenos delitos ou assaltando em esquinas de trânsito.
Entretanto, pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP mostra um quadro ainda mais preocupante. Conclui, depois de entrevistar 390 familiares de internos na Febem, que a maioria dos infratores que optam pela rua (74%) vive com os pais legítimos; mostra também que cerca de 78% das famílias que geram esses menores infratores moram em casas com água encanada, esgoto, coleta de lixo, asfalto e iluminação.
Ou seja, a violência que inunda as ruas das metrópoles brasileiras não tem origem apenas sob condições que os especialistas costumam chamar de miséria absoluta. Há carências menos escandalosas, embora mais amplas e disseminadas.
É um contexto em que se forma um verdadeiro exército de marginalizados, muito mais difícil de mudar e mesmo de atingir com políticas públicas do que se costuma supor. Aliás, as mesmas conclusões gerais foram registradas em trabalho semelhante feito ainda este ano com menores de rua pelo SOS Criança.
A idéia de que bastaria "tirar da rua" as crianças -bordão frequente entre políticos em campanha- é obviamente uma saída paliativa que tende a subestimar a extensão e a gravidade do problema social.
Talvez seja mais fácil simplesmente estigmatizar essas crianças como "abandonadas", o que de fato são, tendo ou não esgoto, rua asfaltada ou pais legítimos. O risco da visão mais imediatista é destacar a própria marginalização desses meninos e meninas, em vez de ampliar os esforços por sua reintegração à sociedade.

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