São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 1997
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Gabriela, 3, ainda espera pela mãe e por bebê

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Até a tarde de ontem, Gabriela ainda não sabia de nada. Para as pessoas que entravam na casa, ela dizia que a mãe tinha saído "para ganhar bebê". "Ela foi no banco de trás do carro do vovô", falava. Gabriela tem 3 anos e ficou dormindo com a madrinha quando os pais saíram de madrugada.
No Gol preto foram o avô Osvaldo, a avó Rosalice, a mãe Patrícia e o pai Leodair. Gabriela dizia que queria uma irmãzinha. Na casa de dois cômodos, em Cidade Dutra (zona sul), o berço do bebê já estava arrumado ao lado da cama do casal. Se sobrevivesse, se chamaria Guilherme. A cama de Gabriela, que dorme no mesmo quarto, foi arrumada ao lado.
Leodair diz que a mulher sentiu muitas dores durante toda a noite e pelas 3h já não aguentava mais. Saiu para pegar o carro do pai, a uns 600 metros dali, e uma hora depois estavam a caminho do Hospital do Servidor Público Estadual.
"Eram umas 5h15, eu ia a uns 70 km por hora, pela Indianópolis, os faróis ligados, o pisca ligado; passei buzinando pela Nhambiquaras, aí o farol da Maracatins ficou amarelo e eu continuei. O ônibus estourou na minha traseira."
Leodair se lembra que estava escuro e chuviscava. "Quando me tiraram do carro, eu vi meu pai preso nas ferragens, minha sogra e minha mulher estavam caídas lá fora. Eu gritava que minha família inteira estava morrendo, mas a polícia me afastava, me segurava. Ainda toquei no peito da minha sogra, minha mulher não se mexia mais. Abracei meu pai pela janela do carro, ele estava com os ombros presos e as pernas sobre o painel. Ele não se mexia mais."
As pessoas só foram atendidas com a chegada do Corpo de Bombeiros. "Demorou uma eternidade, minha gente morrendo, eu correndo de um lado para outro."
Leodair foi levado ao Hospital São Paulo, para onde tinha sido transportada a mulher. "Da maca, eu vi os médicos abrindo a barriga dela, acho que tentavam salvar meu filho. Depois fecharam a cortina. Mais tarde um médico veio do meu lado e disse que tinham feito o possível."
No início da tarde, o menino Felipe Souza, 10, foi informado na escola que deveria voltar para casa. "No caminho me contaram que minha mãe e minha irmã estavam mortas", diz. Um ano atrás, tinha sido assim com o irmão Fábio, então com 23, ele diz. "Mas com ele foi tiro."
"Não tenho culpa"
Patrícia de Souza Marques, 26, estava em licença maternidade na escola do Estado onde dava aulas. Fez colégio e faculdade ali na região. Ontem à tarde, estudantes da escola se juntavam na rua de terra para saber notícias.
Ao lado da casa fica a creche municipal "Sonho Encantado", mas o avô Osvaldo queria uma escola particular para Gabriela.
Osvaldo Marques, 51, era mecânico da Eletropaulo e iria se aposentar em um ano. Tinha planos de mudar-se para o Paraná, mas queria ver crescer os dois netos.
Leodair Antônio Marques, 26, auxiliar de contabilidade desempregado, casou-se com Patrícia em junho de 93. "Eu só estava querendo ajudá-los", ele repete. "Eu também poderia ter morrido. Se ficar pensando que tenho culpa, minha vida vai se acabar. E eu tenho a Gabriela para tomar conta."
Antes de sair para o IML, uma tia recomendou. "Vê se não chora na hora de reconhecer os corpos. Agora não adianta muito."

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