São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 1997
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O emprego e os mercadores de ilusões

MARCIO POCHMANN

Impressiona o grau de desconhecimento do real funcionamento do mercado de trabalho no Brasil por aqueles que, em vez de informar, pretendem denunciar os elementos de rigidez impostos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) num ambiente de grande escassez de empregos. Em contraste com a realidade nacional, a experiência norte-americana de mercado flexível de trabalho tem sido defendida como exemplo a ser seguido.
Mas esses novos místicos que adotam a liturgia liberal esquecem, talvez por ignorância ou má-fé, de informar, por exemplo, que nos Estados Unidos há várias taxas de desemprego, que variam de 5% a 13% da População Economicamente Ativa (PEA), dependendo dos critérios metodológicos adotados.
Em relação à taxa mais baixa de desemprego, deve-se destacar que o trabalho de apenas uma hora por semana é considerado como emprego. A ausência de procura por trabalho por um desempregado durante a semana de realização da pesquisa, por sua vez, define uma situação de inatividade -ou seja, ele deixa de pertencer à PEA.
Com esses restritos parâmetros metodológicos, não se estranha a presença de baixa taxa de desemprego nos EUA. Acrescente-se que quase 20% dos trabalhadores empregados recebem abaixo do valor monetário que define a linha de pobreza naquele país.
Por outro lado, os mercadores de ilusões parecem fechar os olhos para o fato de o mercado de trabalho brasileiro apresentar sinais de flexibilidade superior ao dos Estados Unidos.
Além de menor taxa de assalariamento, o Brasil possui cerca da metade dos empregados assalariados sem nenhum contrato trabalhista (ausência de carteira assinada) e, daqueles protegidos pela CLT, cerca de 40% são demitidos a cada ano.
A presença no Brasil de uma das maiores taxas internacionais de rotatividade transforma o país em um paradigma da flexibilidade no mercado de trabalho e uma referência de subordinação do padrão de uso e remuneração da força de trabalho às necessidades empresariais. Isso é o que se pode rapidamente concluir das análises realizadas a partir dos dados apresentados pelo gráfico, que reúne três das principais variáveis referentes ao padrão de uso e remuneração do trabalho assalariado na indústria paulista (nível de emprego, salário médio real e participação dos empregados com jornada de trabalho acima da legal).
Apesar de se concentrar no núcleo de maior organização da classe operária nacional, as empresas industriais paulistas não encontraram dificuldades para, no curto prazo, reduzir os níveis do salário médio real e do emprego e aumentar a jornada de trabalho de parte crescente dos empregados.
Em outras palavras, os trabalhadores empregados nas indústrias paulistas estão atualmente em menor número, recebem menos e enfrentam uma jornada de trabalho maior do que no final dos anos 80.
Por fim, cabe destacar que a ausência do pleno emprego, da organização por local de trabalho e de um sistema democrático de relações de trabalho concede aos trabalhadores uma estrutura de representação de interesses com poder desigual diante dos empregadores.
Em vez de propor acabar com as poucas oportunidades de fortalecimento dos interesses dos trabalhadores, os mercadores de ilusão talvez devessem refletir mais e melhor sobre as realidades do mercado de trabalho no Brasil.

E-mail: pochmann@eco.unicamp.br

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