São Paulo, terça-feira, 4 de novembro de 1997
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Rodando a bolsinha de valores no pregão

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Então estamos vivendo uma vaga mentira. O dinheiro é uma vaga mentira. A estabilidade é uma vaga mentira. Cartão de crédito, cheque especial, tudo tapeação.
Ou então somos todos mulheres -que maldição, dirão alguns-, todos frágeis, todos prostitutas de um cafetão invisível mas implacável, o especulador. Cedemos, abrimos as pernas para Hong Kong, King Kong, seja lá quem for que nos pague, que invista em nós.
Não temos crédito porque não temos as virtudes da honestidade, da pontualidade, da laboriosidade e da frugalidade -essas as qualidades da ética protestante que assegura o crédito e que está no "espírito do capitalismo", como diz o filósofo. Será isso que não temos? Os alemães, americanos e japoneses é que têm?
Somos católicos, dançamos no Carnaval. Somos ainda muito corruptos e atrasados. Para entender o país, a crise das bolsas e a alta dos juros, o menino trouxe de lição de casa uma pesquisa sobre as moedas que o Brasil teve desde os anos 40 até hoje.
E ele escreveu lá no caderno, com sua letra redonda de menino que aprende: cruzeiro (1942 a 1967); cruzeiro novo (67 a 79); cruzeiro (79 a 86); cruzado (86 a 89); cruzado novo (89 a 90); cruzeiro (90 a 93); cruzeiro real (93 a 94); real (94 em diante).
Talvez a professora consiga explicar a ele o motivo de tanta mudança -coisa que me deu extrema preguiça de fazer.
Era preciso muito didatismo para explicar a um escolar por que o dólar nunca mudou mas o nosso dinheiro sim e tantas vezes, indo e voltando para o mesmo nome e destino.
Mas as perguntas "o que é especular" e "o que é juro", ele fez diretamente a mim. Para a primeira pergunta, tentei a resposta didática, mas saiu sofisticada: vem do latim, "speculare", que significa "espiar", "esquadrinhar", e implica a descoberta de algo oculto. Apliquei a explicação ao caso do dinheiro e das bolsas.
Expliquei o que era juro. "E por que tem que cobrar juros?", ele insistiu. Porque as pessoas são ruins, de coração duro, respondi, citando o filósofo (Francis Bacon) que diz que a usura inevitável deve ser permitida: "Since there must be borrowing and lending, and men are so hard of heart as they will not lend freely, usury must be permitted".
Aulas sobre a desagregação que a economia provoca na ordem social. Ainda difícil compreender o que didaticamente se explica: que o regime (econômico) atual preocupa-se com a apropriação de riqueza e privilegia as atividades especulativas baseadas em posições nos mercados imobiliários, financeiros e de transações comerciais.
Vaga abstração. Melhor a metáfora da prostituta que somos (e talvez a pessoa que me sugeriu o título desta coluna sinta o mesmo) no mercado globalizado.

E-mailmfelinto@uol.com.br

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