São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 1997
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Salada de avestruz

JANIO DE FREITAS

Talvez tenha sido a irreal convicção de que "a era dos pacotes acabou", tantas vezes repetida pelo hoje também pacoteiro Fernando Henrique Cardoso, talvez fossem algumas fisionomias na apresentação do pacote, por certo há uma contribuição do retorno ao estado geral de apreensão -seja lá o que for, revivemos ontem as circunstâncias experimentadas tantas vezes há sete, há oito, dez anos, todas de memória incômoda.
Era o Cruzado 2, obra-prima de João Manuel de Mello e Luiz Gonzaga Belluzzo que, há exatos dez anos, ia salvar o Cruzado que Sarney, por interesse político, impediu de ser reajustado em tempo. Era o Plano Bresser, que ia restaurar a glória do Cruzado, mas não passou de assalto aos aposentados, assalariados, funcionários e poupadores. Era o Plano Verão de Mailson da Nóbrega, autor da inflação de 84% ao mês. Era o Plano Collor, cuja idéia central, o sequestro das contas bancárias e das poupanças, foi tão bem lembrada ontem pela presença do seu criador, outra vez, como um dos principais expositores do pacote.
É no mínimo duvidoso que as novas medidas proporcionem a proteção necessária ao real, de fragilidade enfim reconhecida. Segundo Kandir, "o Brasil não é um país-avestruz". Não, não é. O governo, sim, é um governo-avestruz. Recorreu ao pacotaço porque, durante três anos (nisso Sarney foi mais atilado, tardou meses) se recusou a enxergar as fragilidades e riscos vistos por tantos e só teve olhos para a reeleição. Tudo o que está no pacote divide-se em duas classes: uma parte poderia e deveria viger desde o começo do governo; a segunda parte é o que nem haveria, antes ou agora, se o governo realizasse as anteriores.
O pacote, a ser debulhado durante vários dias, é uma salada de três ingredientes: medidas novas de arrocho, repetição de medidas que figuravam no "ajuste fiscal" do ano passado, desde então engavetadas para não prejudicar o projeto de reeleição e, até hoje, as composições reeleitorais; por fim, as embromações tapeadoras, como a suspensão de pagamento dos inativos que não se recadastraram e, com ou sem pacote, teriam seus nomes excluídos da folha.
O caráter do plano obedece à índole do governo: ataca a classe média por diversos modos, aumenta a ameaça de desemprego para os que recebem entre médios e baixos salários; embora as negativas verbais, atinge, sim, os gastos com assistência social; apesar de afirmações igualmente falsas, corta, sim, verbas de educação e pesquisa; corta muito pouco das verbas de governo e, jamais seria de outro modo, preserva as verbas que estão sendo manipuladas para a reeleição. Assuntos bastantes para os próximos dias.

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