São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 1997
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Real é o sexto plano, desde 1986, que tenta estabilizar a economia

GABRIEL J. DE CARVALHO

GABRIEL J. DE CARVALHO; SILVANA QUAGLIO
DA REDAÇÃO

Concebido por FHC, ele recebe seu primeiro grande ajuste desde o lançamento em 1994

O Plano Real enfrenta seu primeiro grande teste, depois de conseguir a proeza de manter a inflação baixa por mais de três anos.
As pressões contra a estabilidade, entretanto, não vêm da área dos preços, mas do exterior.
A inflação baixa continua sendo o maior trunfo do Real. O grande diferencial deste plano em relação aos anteriores, a partir do Cruzado, em 1986, foi a antecipação das regras básicas da transição.
O mecanismo engenhoso da URV (Unidade Real de Valor), anunciado em dezembro de 1993 e lançado em março de 94, evitou o trauma do congelamento de preços, que se mostrou ineficaz para conter a inflação.
O Cruzado do então presidente José Sarney inaugurou a prática de congelamentos. Só naquele governo -o primeiro da Nova República- foram três, a do Cruzado e a dos planos Bresser e Verão.
Mas "chocada" a economia já vinha desde o nascimento da República, em 1889. O primeiro ministro da Fazenda do país, Rui Barbosa, produziu o primeiro pacote para debelar a inflação e colocar o Brasil na rota da industrialização. Não funcionou.
Desde Barbosa, circula hoje no país a oitava moeda (houve real, cruzeiro, cruzeiro novo, cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro e real), e entre 86 e 94 foram seis planos econômicos, com mais um número pelo menos igual de pacotes e ajustes de rota. O elo comum a todas essas acrobacias econômicas é uma mesma promessa: o ajuste das contas públicas.
Veja a seguir como foram os seis últimos planos.
Plano Cruzado*
Adotaram-se congelamento de preços, corte de três zeros na moeda (que passou a se chamar cruzado) e os salários foram convertidos pelo valor real médio dos últimos seis meses. Tiveram abono de 8% e ficou estabelecido que os reajustes seriam anuais, com gatilho a 20%.
Acabou a ORTN e foi criada a OTN. A caderneta de poupança passou a ter crédito trimestral.
CDBs e RDBs prefixados passaram pela tablita (tabela de deflação), que chegou a reduzir até o valor aplicado.
Em julho de 96, o Imposto de Renda na fonte sobre aplicações financeiras foi mudado para estimular alongamento de prazos.
O dólar oficial foi congelado e o ágio do "black" caiu de 34,5% para 26,4%. A Bolsa subiu por três meses e depois começou a cair.
Em julho de 96 foram criados compulsórios sobre carros, gasolina e álcool. Em novembro veio o chamado Cruzado 2, não necessariamente um plano, mas um choque fiscal (elevação de impostos indiretos como IPI etc.). Isso contribuiu para que a inflação voltasse ainda com mais força.
Plano Bresser*
Em meados de junho de 1987, com inflação de 25,87% (IGP), o ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, que sucedeu Funaro, voltou a congelar preços e tarifas.
A correção da poupança era pela OTN (indexada a preços) ou LBC (overnight), o que fosse maior. O crédito já era mensal. CDBs e RDBs prefixados tiveram tablita, mas o resgate não poderia ser menor que o valor nominal aplicado.
Salários foram congelados, com descongelamento a partir de setembro pela URP (Unidade de Referência de Preços), baseado na inflação média do trimestre anterior.
O dólar manteve minidesvalorizações e o ágio do "black" caiu de 32,5% para 21%. A Bolsa reagiu bem e depois caiu.
Bresser saiu do governo em dezembro de 87 por não conseguir fazer o ajuste fiscal (equilíbrio de contas públicas) que queria.
A inflação já estava em 36,56% (IGP).
Plano Verão*
Em janeiro de 1989, o novo ministro da Fazenda do governo Sarney, Mailson da Nóbrega, congelou novamente os preços. Adotou-se um vetor no índice oficial de preços para que a inflação passada não contaminasse a taxa de fevereiro.
Houve corte de três zeros da moeda e criação do cruzado novo. Foi extinta a OTN e depois criado o BTN. A correção da poupança passou a ser pela LFT (overnight) menos 0,5%.
A partir de abril a poupança voltou a ser indexada à inflação (IPC). Salários, aposentadorias e aluguéis foram corrigidos pela média real dos últimos 12 meses e congelados.
CDBs, RDBs, contas a pagar etc. tiveram tablita. O dólar oficial foi congelado, com paridade de US$ 1,00 por NCz$ 1,00. O ágio do "black" caiu de 67% para 46% e logo voltou a subir. A Bolsa subiu com força até março de 90.
Plano Collor 1*
O plano não cortou zeros, mas a moeda voltou a ser o cruzeiro. Depois, permitiu-se que o dinheiro bloqueado pudesse pagar impostos. Ativos financeiros, ouro e ações passaram a pagar IOF.
Salários, aposentadorias, aluguéis etc. foram congelados, com prefixação de salários, preços etc. a partir de abril.
BTN e BTNF foram mantidos, mas com correção zero em abril.
Com o confisco de cruzados novos, não houve tablita. O dólar oficial não foi congelado, e o câmbio foi liberalizado. O ágio do "black" caiu de 111% para 39% e depois voltou a 60%. A Bolsa desabou e depois passou a oscilar.
Plano Collor 2*
Em fevereiro de 1991 a inflação já superava 20% (pelo IGP, 21,11%) e houve novo congelamento de preços. Não houve corte de zeros ou mudança do nome da moeda. Foi extinto o BTN e criada a TR (Taxa Referencial de juros). O crédito da poupança passou a ser data a data, pela TRD mais 0,5% ao mês.
Salários e aposentadorias foram corrigidos pela média real dos últimos 12 meses e congelados até julho. Todos os aluguéis foram reajustados e congelados. Também aplicou-se tablita sobre CDBs e RDBs prefixados e contas a pagar.
O dólar oficial não foi congelado. O ágio do "black" permaneceu nos 10%. A Bolsa oscilou por três meses e depois reagiu bem.
Plano Real*
Foi lançado em julho de 94, com a introdução da nova moeda na economia. Valores em cruzeiro real foram convertidos para reais na divisão por 2.750.
Muitos valores, como salários, estavam em URV desde março de 94. Neste caso a conversão em julho foi de um por um. A inflação baixou rapidamente e em meados de 97 caiu abaixo de 5% ao ano.
Nos primeiros oito meses do Real a economia se expandiu, até demais. O PIB (Produto Interno Bruto) chegou a crescer num ritmo de 10,5% ao ano.
Com o aumento do consumo, cresceram as importações, levando a balança comercial (vendas e compras externas) a déficits sucessivos e relativamente altos, acima de US$ 500 milhões por mês.
Para frear a explosão de consumo e equilibrar a balança comercial, o governo FHC elevou os juros e mexeu na cotação do dólar em março de 95. A economia desaqueceu, o desemprego aumentou e a inadimplência bateu recordes.
A abertura comercial também colaborou para o aumento do desemprego na indústria. Para conseguirem concorrer com os importados, as empresas reduzem custos objetivando maior produtividade, e nesse processo o maior sacrificado é o emprego.
Até junho de 97, a Bolsa subia sem parar. A partir da crise dos "tigres" asiáticos de terceira geração (Tailândia e outros), mercados de todo o mundo entraram num período de volatilidade.
No final de outubro, as quedas chegaram à Bolsa de Hong Kong, se refletindo na de Nova York e de outros mercados. Em novembro balançaram a da Coréia do Sul.
Fuga de dólares estimada em até US$ 10 bilhões, em praticamente uma semana, obrigou o Banco Central a elevar os juros de 1,58% para 3% ao mês. Com isso, torna mais atrativas as aplicações no Brasil. Para se defender, o governo adota também pacote de medidas para mostrar que controla não só a inflação, mas também as contas públicas (oneradas pelo juro alto) e o balanço de pagamentos.

Colaborou Silvana Quaglio, da Reportagem Local

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