São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 1997
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O triunfo do carrasco

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Pode até não ser verdadeira, mas a história serve para excelente comparação com a crise que estamos vivendo. O episódio é narrado por Arthur Koestler, a propósito de algumas leis da complicada República de Weimar -desconfio que também podem ser aplicadas ao Brasil de hoje.
Wang Kun, carrasco real durante a dinastia Ming, famoso pela rapidez com que executava os condenados, tinha um sonho: executar uma vítima com tamanha eficiência que a cabeça não rolasse, permanecendo colada ao pescoço ao menos na aparência.
Treinou anos e um dia, ao decapitar a última vítima do seu expediente de carrasco, conseguiu a proeza. Quando o condenado subia ao cadafalso, ele vibrou um golpe de espada com tamanha habilidade que o cara continuou subindo as escadas. Ao chegar no tablado, vendo que nada acontecia, pediu a Wang Kun: "Por que prolonga minha agonia? Você é sempre piedoso para com outros, agindo depressa".
O carrasco sorriu com o seu triunfo. Disse para o condenado: "Balance a cabeça um pouquinho, por favor!"
Pensando bem, esse tal de Wang Kun pode servir de metáfora para a globalização, pelo menos quando ela se realiza numa só mão e contra nós. É rápida, é eficiente. Não sei quantos quilômetros nos separam das Bolsas asiáticas, calculo que Hong Kong deve ser longe pra burro. Mas os impulsos eletrônicos dos computadores de lá chegam até nós com a rapidez da lâmina de Wang Kun. Tão rápidos e eficientes que nem sentimos o golpe no primeiro momento. Continuamos subindo ao cadafalso como se nada houvesse acontecido.
Basta que mexamos um pouco a cabeça para tomarmos conhecimento da nossa real situação. O governo de FHC admitiu muito tarde que "alguma coisa" precisa ser feita para repensar a globalização que, no momento, só nos prejudica. Já a comparei à lei da gravidade, que é irretratável. Mas pode ser disciplinada. Do contrário, nossa cabeça cai.

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