São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A sociedade de olho no dinheiro público

JOSÉ LUIZ PORTELLA PEREIRA

Precisamos implantar o processo de avaliação na administração pública: periódica, sistêmica, com parâmetros claros e acessíveis, para elucidar o aproveitamento pela sociedade dos recursos públicos a ela destinados.
A avaliação vai transformar a relação da administração governamental com a sociedade, permitindo analisar o proveito real que obtemos daquilo que os Orçamentos públicos nos prometem.
Para servir melhor a sociedade, o Estado brasileiro vive hoje um grande processo de mudança. Trata-se de alocar os recursos existentes, a partir de uma carga assimilável de tributos, naquilo que de fato é prioridade. Mais: aplicado o recurso na prioridade, ele deve atingir os objetivos traçados. A população precisa se sentir satisfeita, conforme o combinado -as metas estabelecidas na execução orçamentária.
O Estado não é dispensável nem deve ser mínimo. Ele é fundamental na regulamentação do processo de desenvolvimento econômico e social, assegurando equidade nas oportunidades, corrigindo distorções e garantindo uma vida digna a todos os cidadãos, sem exceção.
Porém não são o tamanho do Estado, privilégios ou corporativismos que vão propiciar justiça social e distribuição das riquezas. O que vai assegurar esses objetivos é o compromisso que o Estado deve ter com a qualidade dos resultados produzidos. Essa obrigação do Estado para com o cidadão parece óbvia, mas, salvo raras exceções, ainda hoje ela inexiste.
A avaliação será um sistema de acompanhamento e controle dos recursos destinados aos programas públicos, com informações transparentes, inteligíveis, que dirão não só se o recurso está direcionado para o lugar certo como também se foi pelo caminho mais curto, com menor custo burocrático -e, sobretudo, se quem o recebeu na ponta final teve o benefício esperado.
Não é uma avaliação comum, baseada na quantidade de dinheiro previsto ou liberado no Orçamento. Isso pode enganar, e muito. A avaliação proposta vai percorrer todo o caminho dos recursos, identificando os obstáculos.
A avaliação vai revelar o porquê das coisas. De que forma, às vezes, há recursos disponíveis em determinados setores e a população destinatária se sente insatisfeita. Apontará o nó, a incompetência ou a incúria. Vai reconhecer quem administra corretamente e punir os negligentes.
Ela deve ser implantada em dois níveis diferentes:
1) dentro da própria instituição pública, para orientar o gerenciamento por parte de seus administradores;
2) na ponta da linha, no público-alvo do benefício. Feita pela própria sociedade, que deve receber os meios para executá-la e ter o resultado da sua avaliação oficialmente reconhecido.
Até 1995, gastavam-se no Brasil centenas de milhões de dólares na compra do livro didático e ele não chegava a tempo no início das aulas. Para 96, a FAE (Fundação de Assistência ao Estudante), órgão do MEC, implantou um mecanismo interno de gerenciamento para garantir a chegada do livro.
A FAE mandou a campo, em todo o Brasil, 330 funcionários. Cada um ficou responsável por 50 municípios, durante quatro meses. Eles se revezaram. Conheceram a realidade de 90% das cidades, criaram vínculos com os seus clientes (professores e alunos de escolas públicas), entenderam os obstáculos, desataram os nós, intervieram e conseguiram, em 96, que mais de 97% dos livros chegassem no tempo certo.
Esse é um exemplo de avaliação implantada em instituição pública.
Criamos também a avaliação na ponta, junto à sociedade, pondo à disposição mais de 20 linhas telefônicas, várias delas 0800, em que as escolas podiam comunicar-se imediatamente com a FAE, e vice-versa, para falar sobre a chegada do livro, se ele foi exatamente o escolhido pelo professor, se a escola estava satisfeita. Comunicamo-nos diariamente por 40 dias.
Concomitantemente, havia o Disque-Educação, que recebia, no MEC, qualquer tipo de reclamação, prontamente conferida. O livro também chegou em 97, estabelecendo um sistema que não se pode mais mudar. A sociedade, agora, avalia seu direito de receber o livro didático em escolas públicas.
Não há um modelo único de avaliação. Cada programa deve ser estudado particularmente para definir a forma respectiva. No Programa Alfabetização Solidária, desenvolvido pela primeira-dama, Ruth Cardoso, há uma avaliação mensal do andamento na classe, uma semestral da eficácia e outra anual, para medir se o efeito da alfabetização persiste. A universidade e a sociedade local alternam-se na avaliação.
A avaliação deverá atingir não só os órgãos de governo como todos os que trabalham com dinheiro público: empresas, fundações, ONGs e instituições filantrópicas. Todos, sem exceção. Ela vai nos livrar de muitos males, principalmente do sentimento de insatisfação e de impotência que o cidadão sofre há muito. E que vamos mudar.

Texto Anterior: Prova de coragem e confiança
Próximo Texto: Liberdade de expressão; Pacote fiscal; Ponto de vista; Perigo vermelho; Preconceito; Fascinação; Zebu; Bola da vez; Curiosidades; Enfoque infeliz; Canudos; O pincel e o real
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.