São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 1997
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Embrulhados no pacote

JANIO DE FREITAS

Da classe média para baixo, a população está aturdida com a ferocidade do pacote que a vitimou e atemorizada com o futuro que lhe reserva muitas ameaças e nenhuma esperança. Da classe média-média para cima, a tensão expressa inseguranças imediatas e perda -muito nítida, por menos que seja verbalizada- de confiança nos que conduzem o país em meio a crise. Sobre estes, uma observação tão singela quanto segura diz tudo: estão todos zonzos, desorientados como o boxeador ainda de pé, mas nocauteado.
Essa percepção está levando os políticos a prestar ao governo, parece que sem plena consciência disso, um serviço muito maior do que o apoio, mesmo que integral, ao pacote. Os numerosos encontros de parlamentares com integrantes da equipe econômica, ora para pretensas justificações das medidas, ora para discutir estratégias pró-pacote no Congresso, têm deixado forte descrença nas perspectivas de ação vitoriosa do governo sobre a crise. Mas tais impressões não extrapolam para o noticiário, poupando o governo do que poderia ser um desgaste definitivo.
Os sons ocos do bater de cabeça nem se abafam mais nos gabinetes onde as divergências perplexas estão consumindo os dias. Não haverá melhor exemplo disso do que o oferecido pelas três figuras centrais da administração econômica.
Pedro Malan e Antonio Kandir sustaram compromissos para um encontro repentino com Fernando Henrique, ao final da manhã de ontem. Malan estava no noticiário com a admissão de que são possíveis mais medidas do governo. Terminado o encontro, porém, Kandir assegura que novas medidas estão fora de cogitação. Ou tomaram tal decisão no encontro com Fernando Henrique, anulando a informação do ministro da Fazenda, ou apenas combinaram negar, como é usual. Mas, duas horas e meia depois, Gustavo Franco restabelece a admissão de novas medidas e invalida a informação do ministro do Planejamento.
A baratinação não se restringe aos principais ministros. É um tanto redundante dizer que Bresser Pereira também está baratinado. O momento releva, porém. E então negava ele, ontem no Rio, conhecer o prazo de 18 meses para a demissão dos 33 mil funcionários condenados, como aqui foi mencionado. Não é certo que Bresser Pereira já saiba que há cinco dias houve a apresentação, por dois ministros e vários secretários, do pacote que Fernando Henrique jamais emitiria. Nesse espetáculo é que o prazo para as demissões foi divulgado -assunto, por sinal, do ministério de Bresser Pereira.
Presidente do PSDB, Teotonio Vilela Filho já disse que "a crise está tão séria que Fernando Henrique nem pode mais sorrir". Se o ouviu ontem, com a mesma habilidade dirá que Fernando Henrique nem pode mais improvisar. Pois se enrolou no improviso de mais uma solenidade planaltina inútil e o que afinal saiu foi isso: "(...) Nossos projetos muitas vezes beneficiam os mais ricos (...)". É verdade que logo se refez, porque um instante de veloz sinceridade não chega a renegar um hábito, quanto mais uma característica.

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