São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 1997
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As incríveis interpretações do pacote fiscal

MAILSON DA NÓBREGA

O pacote fiscal provocou distintas interpretações. Os céticos disseram que não era para valer. Outros reconheceram o ajuste, mas disseram que já era tarde.
Analistas politicamente motivados ("chapas-vermelhas"?) julgaram-no negativamente, com uma arrogância tão grande quanto sua desinformação sobre o tema.
Na interpretação dos autores do título da Primeira Página de ontem desta Folha, o pacote se destinava a elevar os índices da Bolsa. O efeito deve ser exatamente o oposto.
Para o observador atento, o pacote é um conjunto de medidas emergenciais, que por isso mesmo ainda não mudam o regime fiscal, mas podem trazer impactos significativos sobre os resultados fiscais de curto prazo.
Nesse sentido, o pacote é meritório e permite aguardar por mais um tempo as reformas estruturais indispensáveis ao ajuste fiscal definitivo. Felizmente, a crise fez com que essas reformas voltassem a merecer a atenção do governo e do Congresso.
Há ainda os que não avançam interpretações, mas perguntam: por que essas medidas não saíram antes? A resposta pode ser: porque ninguém toma medidas de emergência fora da emergência, por mais acaciano que isso possa parecer.
Diante de tanta confusão, ouso trazer aos leitores o que me parecem ser as dificuldades para fazer algo mais permanente no curto prazo (desculpem-me os entendidos pela aparente obviedade das explicações).
Existem graves restrições institucionais ao manejo do orçamento público no Brasil, principalmente depois da Constituição de 1988, a qual elevou substancialmente as vinculações de receita e a partilha federativa da arrecadação.
Vinculação é o uso obrigatório da receita para financiar determinada despesa. Trata-se de uma forma primitiva de estabelecer prioridades. Congela para sempre uma situação do momento e descrê da capacidade das gerações futuras de gerir o orçamento.
Por exemplo, 18% da arrecadação líquida dos impostos federais (depois da partilha) devem ser aplicados em educação; toda a arrecadação de contribuições sociais deve destinar-se obrigatoriamente ao Orçamento de Seguridade Social.
Partilha federativa de receita é, como o nome indica, sua divisão entre as três esferas de governo. Aqui, 44% da arrecadação do Imposto de Renda e 54% da do IPI pertencem aos Estados e municípios. Não transferi-los constitui crime.
Os funcionários estáveis não podem ser demitidos, mesmo se a repartição em que trabalhem se tornar desnecessária. Outra despesa incomprimível é a dos aposentados e pensionistas da União, que representam 43% dos seus gastos de pessoal.
Em consequência, até 1993, mais de 80% da arrecadação federal se destinava a fins específicos, por força de dispositivos constitucionais. Ou seja, a Constituição de 1988 engessou de fato as finanças públicas brasileiras.
Restam menos de 20% para tudo o mais: custeio administrativo, crédito à agricultura e às exportações, pesquisa básica, lançamento de foguetes em Alcântara, conservação e construção de estradas, capitalização do Banco do Brasil etc.
Raul Velloso faz outro cálculo da perversidade orçamentária: da receita líquida do governo federal, 76% são destinados a pagar pessoas (funcionários, aposentados, pensionistas e os beneficiários de abonos e do seguro-desemprego).
A partir de 1994, o engessamento foi muito reduzido, graças ao Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), à CPMF e às concessões. O FEF desvinculou cerca de 25% da arrecadação, a CPMF liberou recursos antes destinados à saúde e a receita das concessões está livre das amarras constitucionais.
Essas soluções têm cumprido um papel decisivo para evitar o agravamento da situação fiscal e precisam ser substituídas por medidas estruturais duradouras.
Assim, é necessária uma saída para o nó previdenciário. Em 1995, 37% da carga tributária foi gasto com a Previdência e as aposentadorias do setor público. Na União, os aposentados consumiram toda a receita líquida do Imposto de Renda.
Certamente por todas essas limitações, o pacote teve que ser engordado com outras medidas: redução do endividamento dos Estados e municípios, cortes nos gastos das empresas estatais e aumento de impostos.
No corte de gastos, dificilmente os críticos fariam melhor se estivessem no governo. Podiam melhorar um pouquinho aqui, um pouquinho acolá, comunicar melhor e por aí afora, mas nada muito diferente.
Criticar, que é preciso, não exige apenas sugerir alternativas. Pede sobretudo conhecimento.

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