São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 1997
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Crise nas Bolsas e privatizações

MIGUEL IGNATIOS

Passado o último ataque da especulação globalizada contra as principais Bolsas do mundo -quatro dias durante os quais foram pulverizados ativos financeiros no montante do PIB brasileiro, ou seja, algo em torno de US$ 800 bilhões-, os analistas já fazem o balanço preliminar dos estragos: Bill Gates, Ted Turner e -ironia suprema- o próprio governador de Hong Kong, dentre outros, ficaram alguns bilhões mais pobres. Faz parte do jogo. O que eles perdem hoje ganham amanhã.
Mas e o Brasil? Bem, aí começam as explicações de sempre: o Banco Central agiu rápida e corretamente, as reservas do país, avaliadas em US$ 61 bilhões, seriam mais do que suficientes para lastrear os recursos estrangeiros voláteis aqui aplicados e coisas do gênero.
Claro, felizmente, a mídia também registrou críticas lúcidas, como a do deputado Roberto Campos, por exemplo, para quem parte da conta brasileira resultante do ataque especulativo do capital globalizado poderá ir para o programa .de privatizações.
Após bem-sucedido leilão da CPFL, no entanto, os problemas maiores poderão ficar para 1998, quando deverão ocorrer as privatizações das subsidiárias estaduais da Telebrás e de algumas das grandes geradoras de energia elétrica. O que União e governos estaduais esperam arrecadar por elas talvez fique abaixo das estimativas.
Em outras palavras, como o programa de privatizações demorou a deslanchar, estamos correndo o risco de vender nossas melhores e mais rentáveis estatais a preço de banana, simplesmente porque a especulação financeira globalizada destruiu boa parte dos recursos externos disponíveis para a compra de ativos.
E é bom que nos acostumemos. O que aconteceu entre os dias 23 e 28 de outubro é apenas um episódio dentre outros tantos que o futuro nos reserva. Crises, infelizmente, são cíclicas e tendem a se tornar mais frequentes à medida que a globalização financeira avança.
Mas, afinal, o que há por trás dessa crise que começou timidamente em julho, com um ataque especulativo contra a moeda da Tailândia? Resumidamente, são três os fatores capazes de explicá-la: o político, o econômico e o estratégico.
O fator político determinante para que a crise eclodisse foi a retomada de Hong Kong pela China. Talvez o governo chinês tenha cometido grave erro de avaliação ao, aparentemente, não perceber que o modelo de desenvolvimento dos "tigres" do Sudeste Asiático estava à beira do esgotamento, após quase duas décadas de inegável sucesso.
Em tal contexto, o fim da soberania britânica em Hong Kong só fez apressar a decisão dos investidores internacionais de diminuir e até zerar suas aplicações naquela região.
Quanto ao fator econômico, hoje, já é consenso entre analistas internacionais a ocorrência do que eles chamam de liquidação de ativos financeiros nas Bolsas regionais, a começar pela de Tóquio. Tal fenômeno, segundo eles, pode perdurar por até dois anos.
Os grandes investidores japoneses, na ótica de tais analistas, principalmente bancos e fundos de pensão, estariam alavancados em demasia em ações negociadas nas Bolsas nipônicas e dos tigres asiáticos. Por isso, teriam decidido desfazer-se de suas posições.
Obviamente, quando esses recursos entraram nas Bolsas daquela região, inflacionaram os preços das "blue chips" locais. Agora, estaria ocorrendo o processo inverso. Com a saída dos megainvestidores do mercado, os preços das ações e dos ativos que elas representam estariam em queda livre.
O terceiro fator, talvez o mais importante, é que o Sudeste Asiático vem deixando de ser já há algum tempo a menina dos olhos do capital internacional.
Na década de 80 e até meados da atual, com a derrocada do socialismo e o descontrole das economias dos países em desenvolvimento, notadamente os da América Latina, não havia melhor refúgio para o capital internacional do que as emergentes economias da Ásia.
Aos poucos, contudo, tal situação começou a mudar com a incrível velocidade da globalização: a Comunidade Européia consolidou-se, o que apressou a criação do Nafta; a ex-União Soviética e todos os países-satélites do Leste Europeu começaram a reimplantar o capitalismo; Argentina, México, Chile, Brasil e Peru estabilizaram, com relativo sucesso, suas economias. Ora, com tudo isso acontecendo ao mesmo tempo, as oportunidades para investimentos multiplicaram-se enormemente.
Isso nos leva, obrigatoriamente, à conclusão de que os lugares que se dispõem a receber investimentos produtivos têm que oferecer contrapartidas à altura da disputa pelo capital externo. A pergunta é: o Brasil está em que condições nesse cenário de alternativas?

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