São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Mercosul e o desvio de comércio

LUÍS NASSIF

O Brasil exporta mil carros para a Argentina, a Argentina exporta mil carros para o Brasil. O governo brasileiro divulga os dados mostrando a recuperação das exportações de manufaturados. De seu lado, o governo argentino faz o mesmo.
Mas há uma diferença fundamental entre essa situação e uma segunda, de ambos exportarem 2.000 carros para outras partes do mundo.
No primeiro caso (que os economistas chamam de "desvio de comércio") não houve geração de renda e emprego adicional e ainda houve queda da receita tarifária -já que as respectivas importações são isentas. Nem mesmo as exportações obedeceram a vantagens comparativas expressivas, já que resultaram de acordos comerciais. Nem o bem-estar dos consumidores foi preservado, caso os bens transacionados internamente sejam de qualidade inferior ou preço superior aos de fora do bloco.
No segundo caso (denominado de "criação de comércio") haveria geração de renda e emprego. Mas não ocorreu.
O Mercosul tem sido um caso típico de desvio de comércio e a culpa não é do Mercosul em si, nem da abertura econômica de Collor, mas das políticas cambiais adotadas pelo Brasil e pela Argentina nos últimos anos.
Esta é a conclusão do estudo dos economistas Ruben Almonacid, Luiz Fernando Lopes e Gabriel Scrimini, no trabalho "Criação ou Desvio de Comércio e o Mercosul".
Do lado argentino, o trabalho chega às seguintes conclusões:
* Enquanto as exportações argentinas com o Mercosul cresceram no período 90-96 à taxa anual média de 22,73%, as exportações com o resto do mundo cresceram à taxa anual média de apenas 5,27%. Se incluir Chile como parte do Mercosul, os números são ainda mais discrepantes: 22,50% para o Mercosul ampliado e 4,02% para o resto do mundo.
* No total das exportações da Argentina, cresceu a participação do Mercosul, de 16,87% para 40,62%, à custa da participação da CEE e Nafta, que caiu de 40,45% para 28,97%, e do resto do mundo, que caiu de 42,68% para 30,41%.
Em relação ao Brasil, as conclusões são semelhantes:
* No período 91-96 as exportações brasileiras cresceram à taxa média anual de 6,42% e as importações a 16,76%. No período mais recente, de 93/96, no entanto, as exportações caem a taxas de 4,77% e as importações aumentam para 22,53% ao ano. As exportações para o Mercosul ampliado cresceram à taxa de 18,77% enquanto com o resto do mundo o crescimento foi de apenas 4,56%.
* No período 93/96 as importações de bens de consumo (incluídos aí autoveículos) cresceram à taxa de 31,15% ao ano, contra 19,71% das matérias-primas, 12,67% do petróleo e 27,77% dos bens de capital.
* Em 1991, o Mercosul respondia por 9,44% das exportações brasileiras e por 13,13% das importações. Em 1996, as exportações aumentaram para 17,51% e as importações, para 17,22%.
Conclusões
A conclusão final do trabalho é que a aceleração das importações ocorreu mais em função da apreciação da moeda, que acompanhou os planos de estabilização, do que em função da abertura econômica de Collor ou da criação do Mercosul.
O bom resultado das exportações, dentro da região, permitiu mascarar o fraco desempenho do comércio com o resto do mundo.
Masoquismo monetário
Por um preciosismo técnico incompreensível, a equipe econômica deixou de adotar a medida de retirar o Imposto de Renda de 15% sobre operações com títulos públicos -o que permitiria refrescar um pouco o nível insuportável de juros da economia.
A alegação é de que essa isenção iria aumentar o déficit primário do governo (onde não entra a conta de juros). Ora, o déficit do governo é composto por outros itens, o mais pesado dos quais é a conta de juros.
Do IR arrecadado, 43% vão para Estados e municípios, o que significa um ganho restrito para o Tesouro. Com mais tributação, tem que se oferecer mais juros.
Retirando a tributação, haveria espaço para o Banco Central reduzir as taxas de juros dos títulos públicos, diminuindo o serviço da dívida e de todas as demais dívidas da economia -incluindo as dos Estados e municípios. E permitindo um refresco no custo do crédito para os tomadores.

E-mail: lnassif@uol.com.br

Texto Anterior: Crise nas Bolsas e privatizações
Próximo Texto: Senadores aprovam SFI sem mudanças
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.