São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 1997
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Advogados divergem sobre caso Hemp

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Também sob o aspecto jurídico, a prisão da banda carioca Planet Hemp por suposta apologia ao uso de maconha, consumada no último domingo, em Brasília, é motivo para polêmica. Advogados ouvidos pela Folha discordam quanto a sua legitimidade.
"A liberdade de expressão é garantida pela Constituição", afirma o advogado criminalista José Luis Mendes de Oliveira Lima.
"Se não for assim, um deputado que fosse à televisão defender a legalização deveria ser preso. Se se interpreta que há apologia nas letras do Planet Hemp, por que os CDs não são apreendidos? Por que não se processa a gravadora que lançou os CDs?", continua.
Pelo terceiro dia consecutivo, a Folha procurou a Sony, gravadora da banda, para se manifestar a respeito do caso -continua afirmando que não tem nada a declarar.
O advogado Celso Bastos vê a questão de forma oposta à de Lima. "Estou convencido de que as letras, o nome da banda, tudo configura a apologia à droga. A polícia, o que é raro no Brasil, atuou de forma britânica", diz.
Ele completa: "Eles não têm nada de inocentes. São maconheiros e ganham a vida do crime. Estão muito bem na cadeia, por ora".
Impulsiona a polêmica a Lei 6.368 (Lei de Entorpecentes), que em seu artigo 12 classifica como criminoso quem "induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica" ou "contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente".
A pena prevista para tal infração é de reclusão de três a 15 anos.
A discórdia se move no confronto entre a Lei de Entorpecentes e o artigo 5º da Constituição, que assegura a plena liberdade de manifestação do pensamento e afirma que é livre "a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença".
Flagrante
Lima, por sua vez, afirma, com base no auto de prisão em flagrante da banda, que o ato é ilegal.
"Na minha maneira de ver, eles estarem presos é uma arbitrariedade. A conduta de contribuir para o incentivo ou difusão do uso de entorpecentes não é comprovada pelo auto, que não especifica como eles infringiram a lei no show."
O advogado do Planet Hemp, Nabor Bulhões, solicitou pedido -negado- de relaxamento da prisão afirmando que o auto de flagrante não declara quais os títulos e as letras das músicas cantadas faziam apologia à droga.
"A decisão é um absurdo jurídico", diz Lima. "O juiz não fundamenta sua decisão de manter a prisão, apenas diz que o auto 'está perfeito formal e materialmente'. Mas não diz porque está perfeito -o juiz não pode só citar, tem que dar as circunstâncias."
Para Bastos, "a retórica favorável é evidente. Ir a um palco, todo mundo delirando, jogar maconha e ligá-la a elementos sensuais do momento é ato de proselitismo. Aquilo é uma grande orgia".
Igualmente polêmica é a questão sobre se as letras da banda fazem apologia de droga. No final de junho, logo depois do lançamento do CD "Os Cães Ladram mas a Caravana Não Pára", o advogado Técio Lins e Silva emitiu à Sony parecer sobre as letras do disco.
"Trata-se do exercício da liberdade de criação e expressão, no qual o pensamento flui de acordo com os padrões, o estilo e a geração do grupo musical Planet Hemp, não fazendo nenhum sentido lógico ou humano supor que o mesmo não esteja no mais legítimo direito de pensar e expressar, em licença poética, o sentimento que tem das coisas da vida que o cercam", diz o texto do advogado.
Quanto à letra de "Queimando Tudo" ("eu canto assim porque fumo maconha"), ele afirma: "É absolutamente claro que a letra faz parte de um conjunto musical que fala de realidades percebidas com a liberdade de criação, sem a motivação de fazer com que as pessoas venham a praticar algum crime".
Celso Bastos discorda: "Cantar de forma fanfarrona como eles fazem é, sim, apologia".
"Falar que fuma maconha não é crime, não pode dar processo. Não há crime, onde está a maconha? Os juízes agem como se eles fossem traficantes", diz Lima.
"Certas expressões, como 'legalize já' até poderiam ser defensáveis, a sociedade admite movimentos em favor da legalização", opina Bastos. "Não é o caso deles. Se discorda, a pessoa deve estar empenhada em modificar a lei, não ofendê-la, desmoralizá-la."
Quanto ao complemento da letra de "Legalize Já" ("uma erva natural não pode te prejudicar"), ele é taxativo: "Querer fazer uma afirmação dessas passar por informação de caráter pseudocientífico é, sem dúvida, proselitismo".

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