São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 1997
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Não pode

LUIZ CAVERSAN

Rio de Janeiro - Não fosse uma violência inaceitável, teria sido apenas ridícula a prisão dos rapazes do grupo musical Planet Hemp, acusados de estimular o consumo de maconha.
Ridícula por vários motivos, a começar pelo fato de eles terem repetido no show de Brasília as canções de seu disco, que é vendido e executado livremente pelas rádios. Numa suposta lógica autoritária, antes de prendê-los deveria se proibir o disco com as letras que falam da diamba.
Mas a questão é outra: hipocrisia.
A polícia posa de defensora intransigente da lei ao enquadrar os rapazes, a Justiça afiança a polícia, também hipoteticamente cumpridora de seu dever, e os cabeludos de roupas esquisitas -com cara de bandido, diriam- vão para atrás das grades.
É assim que se combate a maconha? Essa é a melhor maneira de se encaminhar a discussão contra a descriminalização da droga? É um bom exemplo do rigor da lei para desestimular os que, imaginam as autoridades, vão ser influenciados pelas músicas do grupo?
Ora, fuma-se maconha no Brasil muito, há muito tempo e em todo lugar. O hábito de se consumir o fumo-de-angola, a aliamba, o bengue, o dirígio, o pango, a suruma, a tabanagira está culturalmente arraigado em todos os cantos desde bem antes da aparição do grupo .
As plantações proliferam, assim como os alambiques que produzem cachaça, essa sim permitida, embora muito mais letal. Se um jovem adolescente fumar meio quilo de maconha, vai ficar abestalhado dois dias, só; se tomar um litro de pinga, morre.
Os rapazes do Planet Hemp foram bodes expiatórios numa questão que a mesma sociedade que aceita o álcool e tolera as "bolinhas" não sabe resolver. Com sua irreverência e ousadia de falar o que não se diz em público -assim como não se fala em aborto ou em alcoolismo infantil, por exemplo-, eles incomodam.
Portanto, a prisão dos músicos -além de um atentado à liberdade de expressão- é mais uma prova da imaturidade dos mecanismos sociais na nossa jovem democracia.

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