São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 1997
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Pacotes e frituras

JOSÉ SARNEY

Confessei que foi o Elio Gaspari, esse talento extraordinário do jornalismo brasileiro, que me atribuiu o conhecimento secreto da receita de fritura de ministros. Alguma coisa, assim, como fórmula de bruxaria, muito ao gosto dos alquimistas da Idade Média.
Disseram-me que o presidente Fernando Henrique Cardoso descobriu a mágica e tem fórmula nova. Para ele, a fritura deve ser feita a frio, sem fogo. A vítima vai ao congelador, vira gelo.
No meu caso, era pura imaginação. Ministro quando não presta é ele próprio o primeiro a saber.
Já com os pacotes, ocorre que estão sempre na prateleira e sua entrega é questão de tempo. A fábrica de pacotes, os ovos de páscoa das crises, é a área econômica. Ela adora pacotes, por que resolvem problemas que não são resolvíveis. Em geral os pacotes não têm eficácia. Se contêm providências necessárias, eles revelam a incompetência de não terem sido feitos em tempo oportuno. Se são coisas novas, é um pulo no escuro. Não se sabe se o foguete sobe.
A lei do pacote diz que ele deve ser grande, porque pacote pequeno é pacote que não se respeita. Como as medidas urgentes são duas ou três, recheia-se o pacote com pacotilhas. E aí vêm o perigo e o ridículo. Outra lei inexorável do pacote é bater em funcionário. Isso dá editorial de aprovação. Coitados deles! O que adianta demitir 33 mil funcionários, cuja economia de gastos nem é quantificada, quando o que se quer impedir é a saída de capitais de curto prazo, R$ 3 bilhões por mês, manter a saúde da Bolsa e a confiança dos investidores. A economia é um dia de queda das ações na Bolsa ou seis horas de juros. Mas os custos humanos são imensuráveis. Outra coisa nos pacotes são os penduricalhos, as fitas de enfeite e o papel celofane, como retirar da folha os inativos não cadastrados! Se não foram cadastrados, cadastrem-se; se não existem, não há economia a fazer. Setenta mil cargos vagos não serão preenchidos! Que tem isso com o déficit? Se não estão ocupados, nada se paga e preenchê-los é questão do próprio governo. É que a área econômica e os partidários de Maquiavel dizem ao presidente: "O mal se faz todo de uma vez". Ser corajoso e patriota é ser duro. Mau conselho.
Ninguém mais do que eu apóia todas as medidas para salvar o Real. Elas residem na confiança do mercado. Na diminuição do déficit, na menor dependência do setor externo, na nossa libertação do capital especulativo, nas privatizações. O presidente tem a minha solidariedade. Não quero que ele seja vítima, como eu fui, da paixão política, da politicagem, do eleitoralismo a serviço da desgraça do país. Enfrentemos a crise, sem sectarismos, buscando alternativas, como a do nosso ACM.
O presidente FHC, como eu e o Geisel (o precursor dos pacotes), foi alvejado pela inexorável lei dos pacotes. A hora é de racionalidade. E que não se perca de vista que a economia é a conjuntura. A estrutura é o desenvolvimento nacional, a produção, empregos, riqueza. Somente a estrutura nos liberta da selva da especulação financeira global.

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