São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 1997
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Novo seguro, velhos métodos

REMÍGIO TODESCHINI

Tramita no Congresso a emenda constitucional sobre a reforma da Previdência, que prevê a privatização do seguro do acidente de trabalho. O Ministério da Previdência já tem projeto a respeito há mais de dois anos. Em artigo na Folha (2/11), o ministro Reinhold Stephanes expôs seus princípios.
O ministério fala em mútuas, com a participação paritária de empresários e trabalhadores. Mas o que vemos é um modelo de seguradoras privadas travestidas de mútuas, como no Chile e na Espanha, onde se põe um representante dos trabalhadores para apenas dizer amém aos interesses dessas empresas.
Enfim, é a velha fórmula adotada no Brasil por mais de 33 anos (de 1934 a 1967), pela qual imperaram as seguradoras privadas, lesando os trabalhadores em indenizações e benefícios.
Por causa desses escândalos unificou-se o atendimento na previdência pública. Se hoje isso traz problemas é porque os principais interessados, trabalhadores e empresários, foram alijados do gerenciamento do seguro.
Em seminário internacional sobre acidentes do trabalho promovido pela CUT, ficou clara a necessidade de um sistema público o mais unificado possível e integrado com o Sistema Único de Saúde, com gerenciamento social participativo local, regional e nacional.
Sem controle social, nenhum modelo poderá ser eficiente. Simplesmente privatizar o seguro, além de não resolver problemas, significa a Previdência se desfazer de uma conta superavitária, que ajuda no caixa das aposentadorias e pensões. Os prêmios são da ordem de R$ 3 bilhões, e os benefícios pagos são da ordem de R$ 1,1 bilhão.
Claro que se deve mudar a taxação dos atuais prêmios do seguro. Quem provoca mais acidentes e doenças deve pagar mais prêmios; quem os reduz deve pagar menos. Enfim, deve-se premiar quem investe em prevenção.
Porém, no modelo proposto, lucros são privatizados e prejuízos estatizados. Pela proposta do governo, as seguradoras ficarão com 60% dos prêmios e a Previdência com 40%, devendo arcar com todos os benefícios acidentários que ultrapassarem dois anos -ou seja, aposentadorias por invalidez acidentária e auxílios-acidente. Portanto, os impostos gerais e as contribuições previdenciárias deverão pagar essa conta.
Se o governo fala tanto em melhorar o seguro do acidente de trabalho, por que não investiu pesadamente em programas de prevenção, como os centros de referência e os programas de saúde do trabalhador? Por que o governo quer acabar com os Centros de Reabilitação e Qualificação dos Acidentados?
Se o ministério está tão interessado em melhorar o atendimento, por que quer estabelecer critérios dificultando o afastamento dos doentes acometidos por LER (lesões por esforços repetitivos) e demais doenças profissionais?
A resposta é clara. Para reduzir problemas e facilitar lucros das seguradoras; para eliminar benefícios dos trabalhadores acometidos por doenças profissionais, que serão pagas como doenças comuns pela própria Previdência.
Não há nenhuma modernidade: é só a volta dos velhos métodos. O acidente do trabalho é uma questão de saúde pública. Não pode ser tratado de forma privada; isso é mascarar o problema, eliminando-o das estatísticas pela subnotificação (o que aumenta os lucros).
O seguro deve ser público, aperfeiçoado com o gerenciamento democrático e o acompanhamento de todos os segmentos interessados. A diminuição dos acidentes e doenças depende da democratização das relações de trabalho, com Cipas (comissões internas de prevenção) eleitas pelos trabalhadores.
Todos sabemos do grande número de acidentes e doenças no país. O que falta é, fundamentalmente, prevenção; e é preciso que os trabalhadores participem do processo. Enquanto os locais de trabalho -mais de 1,2 milhão- ficarem desobrigados de ter comissões eleitas pelos empregados, o número de acidentes continuará elevado.

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