São Paulo, domingo, 16 de novembro de 1997
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Depois do dilúvio

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Cada vez entendo menos de economia e, menos ainda, de política. Pelo que sabia, via, ouvia e lia nos jornais, a situação brasileira era a melhor possível, vivíamos num mar de rosas, o povo comia frangos e usava dentaduras, o presidente tinha excelentes níveis de popularidade, o Brasil era um país moderno, jogara no lixo o entulho do Estado paternalista. Melhor que isso, só dois disso.
Não poucas vezes, amigos e leitores me censuravam pelo fato de ser pessimista em relação ao atual governo, em insistir na crítica ao modelo neoliberal e globalizado que FHC imprimiu ao país. Com a cesta básica estável, garantindo a sua reeleição, era uma imbecilidade minha negar a realidade.
A menos que fosse uma questão pessoal -o que não é o caso- eu deveria engrossar a turba que considera o atual governo um olimpo, morada de deuses. Além da falta de patriotismo, era burrice criticar o que estava dando certo.
O vendaval da semana passada mostrou que o castelo era de areia e os pés dos gigantes eram de barro. Da noite para o dia tiveram de sangrar a nação em US$ 20 bilhões para socorrer a quem? Aos doentes que se amontoam nas filas dos hospitais para disputar um lugar na pia? Aos desempregados que o atual modelo econômico joga na rua diariamente para venderem pipoca ou exercerem a nobre função de flanelinha?
Não. Esses US$ 20 bilhões vão apenas garantir a especulação internacional, manter o fluxo de um capital que não é nosso. Reclamou-se -e justamente- do dinheiro que foi tapar buracos nos bancos falidos. Bem ou mal, com o socorro do Proer foram garantidos os depósitos -argumento brandido pelo governo para justificar a operação.
Esses US$ 20 bilhões que a equipe econômica está tirando de nossa carne não têm sequer a desculpa da estabilidade no sistema financeiro. É dinheiro para manter entusiasmado o cassino internacional.

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