São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O risco que não foi medido

CELSO PINTO

O terremoto financeiro das últimas semanas provou que muita gente, no mercado financeiro, operava com um risco muito maior do que supunham seus modelos de avaliação de risco.
Isso ficou público no caso de alguns fundos mais agressivos, mas o problema foi muito mais amplo e deve deixar sequelas. Poucos duvidam, no mercado, que o Banco Central vai apertar a regulação, quando assentar a poeira.
Toda instituição financeira opera com algum modelo de avaliação de risco. Em geral, são modelos básicos consagrados no mercado internacional. Grosso modo, eles medem o risco patrimonial que corre uma instituição, consideradas a qualidade e a volatilidade dos ativos que possui e uma série de variáveis no comportamento do mercado e da economia.
Teoricamente, eles seriam capazes de dar, a todo momento, o risco estatístico de haver perdas, já considerada a proteção parcial feita em mercados futuros. Só que, na crise recente, os modelos tradicionais não funcionaram.
"Esses modelos supõem que haja mudanças suaves de preços", diz o presidente de um banco de investimentos que usa um modelo próprio. "Quando há descontinuidade e o preço cai muito, eles não funcionam."
A fortíssima queda recente no preço de diversos ativos (ações, títulos da dívida) e o aumento em preços como câmbio e juros geraram perdas enormes, muito acima do previsto nos modelos de muitas instituições. Mesmo quando o modelo previa "stop loss", isto é, venda de ativos quando a perda supera um limite, em certos momentos não havia para quem vender coisa alguma.
Os fundos "alavancados", muitos com sede fora do país, foram grandes perdedores. São fundos que, com US$ 100 em títulos, tomam até US$ 900 a mais em empréstimos para ampliar sua aposta. O banco que empresta tem os títulos como garantia e, quando o valor dos títulos cai, exige o depósito de mais títulos ou dinheiro para manter a proporção da garantia.
A força e a rapidez da queda dos preços impediram alguns fundos de colocar margens adicionais. Em alguns casos, perdeu-se tudo, de forma automática, quando a queda superou limites previstos.
Alguns fundos são, claramente, de maior risco. Nem sempre, contudo, o risco estava claro para os clientes, observa um banqueiro, para quem o setor de fundos saiu com a imagem arranhada da crise.
De forma mais geral, a essência do problema, dizem três banqueiros, é que várias instituições financeiras se contentaram em comprar um modelo de risco, instalar nos computadores e confiar cegamente nele. Dois erros, dizem eles. Ninguém deve operar com um modelo de risco sem entender claramente seus pressupostos. Além disso, na hora da crise, o mais sensato é desligar o modelo e colocar administradores experientes na mesa.
"O que vale é a experiência, a intuição, ter vivido a tensão de outras crises, saber como se posicionar com os descasamentos entre ativos e passivos", diz um banqueiro. Aí entra outro problema revelado pela crise: em algumas instituições, o poder dos "traders", dos rapazes que operam na mesa, revelou-se grande demais.
Os operadores vivem dos bônus gerados pelos negócios. Em alguns casos, eles têm muita autonomia, às vezes contratual, para operar. Quando o modelo de risco não consegue avaliar o risco e o operador quer dobrar a aposta para garantir seu bônus de Natal, aí é que mora o perigo.
"A remuneração das pessoas que operam na tesouraria sempre deve ter um horizonte mais longo do que um semestre", diz o principal executivo de um banco no qual a remuneração segue planos de cinco anos. Quando vem a crise, ensina, não pode haver qualquer limitação para que a alta administração vá para a mesa e imponha limites.
No caso dos bancos, o risco desses tipos de operações tem pelo menos um pequeno freio pelo fato de elas estarem incluídas nos limites da Basiléia (que fixam uma relação entre capital e ativos). No caso dos fundos, nem isso existe. Com um pequeno capital e recursos de terceiros, pode-se alavancar fortunas. No limite, o risco não é apenas o de os clientes perderem seu dinheiro, mas o de romper toda uma cadeia de pagamentos.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

Texto Anterior: Pacote corta extras no Senado
Próximo Texto: Comissão do Senado aprova extensão de férias a ministros
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.