São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 1997
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Artista de NY retira pele das palavras

EDER CHIODETTO
EDITOR-ADJUNTO DE FOTOGRAFIA

A palavra cão não morde, já disseram. Esgarçar as diferenças entre a precisão do significado da palavra escrita e os labirintos da palavra dita é uma das vertentes do trabalho que a artista plástica Lesley Dill, 47, de Nova York, expõe a partir de hoje à noite na galeria Cohn Edelstein.
Com uma série de intervenções em longos e variados tipos de tecido onde se embaralham imagens fotográficas, carvão, tintura de chá e linha, Dill faz da literatura o ponto de partida para seus questionamentos.
O que lhe interessa na palavra escrita não é exatamente a relação estreita entre significado e significante, mas sim o poder de deslocamento que uma palavra pode criar, seja pela forma escrita, seja pela sonoridade.
É como se a palavra escrita fosse apenas a primeira pele da poesia. É essa pele que Dill retira para vasculhar os mistérios interiores da palavra. "Há universos pulsantes a ser desvendados por trás do que é dito e visto", diz.
Ao ler poesias, principalmente de Emily Dickinson (1830-1886), algumas imagens começam a trafegar pelo seu consciente. São essas imagens que ela tenta transpor para os tecidos, costuradas, literalmente, com palavras retiradas dos livros.
São imagens de pessoas comuns, que ora aparecem de forma impositiva, ora um tanto difusas, como sequências de um sonho. Ao imprimir as palavras, entendidas como a pele da poesia sobre o corpo dessas pessoas, Lesley Dill realiza uma cirurgia simbólica e perturbadora.
Seus personagens, com a percepção aguçada, possuem a poesia, a fruição das emoções, tatuadas, definitivas e visíveis.
São corpos inquietos, que dançam, correm, traem a gravidade e falam com exagerada ansiedade. Olhos e cabelos que se prolongam para além do campo físico, na busca de alguma expressão.
É o corpo que processa informações e as devolve de forma intensa e, por vezes, aflita. Uma usina de linguagens.
Seres em expansão, que rumam exasperadamente para algum lugar. Mas que lugar é esse, se Dill, ao transportá-los para o tecido retira o fundo pintando-o com o mais preto dos carvões?
Não há respostas claras. Dill nos desloca para um vasto mundo de especulações interiores.
É como perguntar onde estamos quando atingimos o último grau do êxtase físico, seja pelo estímulo sexual, pelas ondas sonoras de uma música ou pelas reentrâncias de uma palavra-poesia.

Exposição: Lesley Dill
Onde: galeria Cohn Edelstein (av. Europa, 641, tel. 011/883-3355)
Quando: de hoje até 20 de dezembro (seg a sex das 11h às 20h, e sáb, das 11h às 14h)
Quanto: entrada franca
Preço das obras: entre R$ 800 e R$ 12.000

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