São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1997
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Crueldade estilizada

CECÍLIA SAYAD
DA REDAÇÃO

O dramaturgo Plínio Marcos, segundo Neville D'Almeida: "Seu único defeito é escrever em português. Se não fosse isso, ele seria conhecido no mundo inteiro".
O cineasta Neville D'Almeida, segundo Plínio Marcos: "É um amigo, um irmão de infância. Maravilhoso, uma pessoa muito generosa e querida".
Dramaturgo e cineasta encontram-se unidos pelo filme "Navalha na Carne", que estréia hoje. Com Vera Fischer no papel da prostituta Neusa Suelly e o cubano Jorge Perugorría (de "Morango e Chocolate") interpretando um cafetão, "Navalha na Carne" transporta a ação da peça de Plínio Marcos do quarto de uma pensão para as ruas do Rio de Janeiro.
O filme deve virar minissérie para a televisão em 98. O ator Guilherme Fontes comprou os direitos e deve vender o projeto a uma emissora, ainda não definida.
Aproveitando o encontro entre o cineasta e o dramaturgo, a Folha colocou aos dois, separadamente, algumas questões comuns. Leia a seguir as idéias de Neville D'Almeida e Plínio Marcos sobre "Navalha", Nelson Rodrigues e fazer arte hoje, entre outros assuntos.
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O FILME E A PEÇA - Plínio: "O texto está inteirinho lá. E o Neville enriqueceu o texto com algumas cenas, para fazer a ação sair daquele quarto de pensão."
Neville: "Eu acho que o filme é tão seco quanto o texto do Plínio. Projeto a parte lírica e onírica dos personagens, que é algo que todo mundo tem -você pode ser o maior desgraçado do mundo, mas sonha, tem desejos. Isso é que é adaptação cinematográfica -senão, seria teatro filmado."

ADAPTAÇÕES - Plínio: "Tem que ter competência para saber que, no teatro, é a palavra que representa a imagem e, no cinema, a imagem que representa a palavra.
Neville: "Quando uma peça é adaptada para a tela, todo mundo ganha. São expressões diferentes. Acho maravilhoso um texto como "Navalha" poder existir totalmente em teatro e possuir uma força cinematográfica. Essa é a vantagem de um bom texto, ele pode se multiplicar e virar multimídia. Isso é que é ser moderno."

VERA FISCHER - Plínio: "Sensacional. E o rapaz que faz o Veludo também é um puta de um ator."
Neville: "Uma atriz profundamente intuitiva, que vive intensamente o personagem."

JORGE PERUGORRÍA - Plínio: "Achei o trabalho dele comum. Jece Valadão ou Nelson Xavier fariam melhor. O sotaque atrapalhou bastante, porque a gente não entendia o que ele dizia. Mas faltou também um trabalho interior, sobretudo se o comparamos com Vera Fischer, que dá tudo o que tem."
Neville: "Fizemos um trabalho intenso de laboratório. Contratei um professor de português em Cuba para ler o roteiro com ele, trouxe Perugorría para falar a nossa língua, que se transformou em 'portunhol'. Quando chegou ao Rio, um mês antes das filmagens, ele trabalhou a sua forma de andar, o gingado. Caminhava duas horas por dia na praia, para tomar sol, ficar parecendo gente nossa. Tomava banho de mar e água de coco. Perugorría me disse que nunca fez um trabalho tão forte."

NELSON RODRIGUES - Plínio: "Era meu amigo, um puta tirador de sarro. As pessoas me diziam, quando eu estava começando, que meus diálogos eram tão fortes quanto os dele. Mas eu não sofri a influência do Nelson. Nem o conhecia quando comecei a escrever."
Neville: "Foi um privilégio ter convivido e trabalhado com ele. Fizemos juntos o roteiro de 'A Dama do Lotação'. Era uma pessoa generosa, delicada. E um artista maravilhoso."

ANOS 70/ANOS 90 - Plínio: "É a mesma coisa. Eu tive uma peça proibida há duas semanas, em Santos ("O Assassinato do Anão do Caralho Grande"). A censura dos 70 ainda existe. As pessoas acham que censura é quando a polícia chega e te prende. Hoje, ela está em todas as partes. E a censura econômica é muito violenta, porque interfere realmente na criatividade dos artistas. Aos bem-comportados, dinheiro. Aos malcomportados, nada.
Neville: "Quanto mais o tempo passa, melhor é fazer cinema. É claro que tudo continua dificílimo, é uma luta muito grande, você tem de morrer mil vezes antes de fazer um filme. Mas o cinema brasileiro está voltando. Acho que o cinema brasileiro está fazendo falta ao mundo inteiro. Vamos lutar para que sempre tenha um filme nosso passando em qualquer cidade do planeta."

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